Vamos mais uma vez
parabenizar as mulheres, sem contudo esquecer o dia 8 de março de
1857, nos Estados Unidos, em Nova Iorque, quando operárias – a maioria
imigrantes italianas e judias – que trabalhavam em uma fábrica de tecidos
começaram uma greve. Todas foram trancadas dentro da fábrica, que foi
incendiada. Cerca de 130 morreram carbonizadas naquele dia.
E por que foram mortas aquelas mulheres? Porque
lutavam por direitos trabalhistas: melhores condições de trabalho, redução da
jornada de 14 para 10 horas diárias, equiparação de salários com os homens
(elas recebiam 1/3 do salário deles fazendo o mesmo tipo de trabalho) e direito
a licença-maternidade.
O massacre comove ainda hoje todas as pessoas
capazes de se indignar diante de qualquer injustiça. Todos buscamos o dia
em que homens e mulheres serão livres e capazes de viver a sua humanidade
plenamente Entretanto, a despeito daquele massacre, somente em 1910, durante
uma conferência na Dinamarca, estabeleceu-se o dia 8 de março como
o “Dia Internacional da Mulher”, uma homenagem àquelas 130 mulheres imoladas
no altar do ídolo capital no Império que ainda ruge nos dias atuais, mas que
está balançando e poderá cair a qualquer momento. Em 1975 a data foi
oficializada pela ONU - Organização das Nações Unidas.
Como estudioso da Bíblia, quero neste dia prestar a
minha homenagem a todas as mulheres, recordando algumas das muitas mulheres da
Bíblia que nos inspiram para a construção de um mundo melhor da perspectiva
feminista:
- Eva, a mulher injustiçada do
início da Bíblia que se rebelou contra a ideia de ficar sempre infantil e
dependente, quis crescer e ganhar autonomia. Foi em busca da árvore do
conhecimento: discernir entre o bem e o mal, algo ético e bom.
- Mirian, mulher destemida que
animou Moisés a enfrentar o faraó, quem por primeiro canta a libertação do
imperialismo egípcio. Com “pandeiro” na mão animou os pobres que fugiam da
casa da servidão: “cavalos e cavaleiros afogaram-se no mar...”
- Jael[2], mulher do povo quenita, que mesmo não
sendo considerada integrante do “Povo de Deus”, entrou para a história
como Bendita, porque matou com uma estaca o general Sísara que
tentava invadir e destruir a soberania do povo. Jael se fez solidária à
grande Débora, juíza do povo que debaixo de uma palmeira
administrava com justiça a convivência social.[3]
- Maria,
mãe
de Jesus de Nazaré, a que, assim como Jael, entrou para a história como Bendita
(Cf. Lc 1,42). Mulher simples, do meio do povo, meditava tudo em
seu coração e cultivava a utopia de uma grande revolução: derrubar do
trono os poderosos e exaltar os humildes, construir uma sociedade sem
oprimidos e sem opressores.
- Hulda, única mulher citada na Bíblia
como profetisa, cujas palavras foram registradas por escrito, em um livro
que não levou seu nome. (Cf. 2 Rs 22,15-20). Hulda vivia em Jerusalém, na
periferia, a partir de onde ajudava o povo a discernir qual era o caminho
da vida.
- Judite
-
viúva, bela, sábia, de fé libertadora e decidida - também entrou
para a história como Bendita, porque liderou a resistência do povo
frente ao ataque de um exército invasor. Chegou a cortar a cabeça do
general Holofernes. (Cf. o livro Judite 14).
- Maria
Madalena, a que
teve a ousadia de amar Jesus destemidamente. Enfrentou a discriminação de
apóstolos de Jesus, entrando para a história como a primeira pessoa
que testemunhou a ressurreição de Jesus. Madalena recebeu de Jesus a
principal ordenação: “Vá e diga a todos que estou vivo, ressuscitado.”
Grande apóstola e missionária que, inclusive, nos legou um evangelho que
mesmo não sendo admitido como livro inspirado, tem muito a nos ensinar.
Como educador social, quero inspirar pessoas
referindo aos exemplos de muitas Mulheres lutadoras da atualidade que
trazem no sangue o testemunho das 130 mulheres queimadas vivas nos Estados
Unidos e se inspiram em muitas outras da Bíblia e da história revolucionária da
humanidade. Rosa de Luxemburgo, Margarida Alves, Roseli Nunes, Olga Benário,
Teresa D’Ávila, Teresinha de Lisieux ... Enfim, “uma multidão de 144 mil”.
Para não delongar, apresento, abaixo, o testemunho
de uma.
Ideslaine dos Santos Pereira, da Comunidade Dandara - 887
famílias que ocuparam um terreno de 360 mil metros quadrados, dia 09/04/2009 -,
em Belo Horizonte, MG, em entrevista ao Programa Palavra Ética, da TV
Comunitária de BH, disse, entre tantas coisas, o seguinte:
“Eu vivia no meu mundinho, só pensando em meu
umbigo, mas cansada de sofrer, sem ter mais como pagar o aluguel, ao ouvir pela
TV que 140 famílias sem-casa tinham ocupado um terreno que estava abandonado no
Céu Azul, não pensei duas vezes. Juntei uma trouxa e, junto com minha mãe,
parti com a minha filhinha de 1 ano e meio para a ocupação. Meu único objetivo
era conseguir um pedacinho de terra para construir uma casinha e assim sair da
cruz do aluguel. Eu era medrosa, vivia pelos cantos até o momento em que
acompanhava uma Assembleia Geral da Ocupação Dandara. Eu, escondida atrás de um
barraco para não molhar na chuva, ouvi uma voz forte que bradava: “Vocês têm
direito a esta terra que é uma propriedade que não cumpre sua função social.
Terra abandonada, ociosa. Os pobres só conquistam seus direitos na hora que se
unem, se organizam e, com fé no Deus da vida, lutam pelos seus direitos. Contem
conosco nesta luta que é mais do que justa e sublime...” Saí detrás do
barraco para ver quem estava falando. E eis que vi discursando, sob a chuva,
uma pequena mulher, não mais do que 1,5 metro de altura. Falava com tanta
determinação que me deixou impressionada. Depois fiquei sabendo que era Irmã
Maria do Rosário, minha inspiradora a partir daquele momento. Senti naquela
hora uma grande vergonha. Falei para mim mesma: “Ela tão pequena e com tanta
coragem! E eu, grandona, e com medo de tudo?!” Naquela hora tomei a decisão de
entrar na luta. Entrei e de lá pra cá não tenho mais medo, encaro a polícia,
pois sei que os policiais têm direitos, mas eles têm de respeitar os nossos
direitos também. Sei que sou uma cidadã, pois devo lutar pela construção
de uma cidade que caiba todos. Hoje, meu mundo não é mais aquele mundinho.
Tenho grandes coisas para conquistar e nada me deterá na luta por um mundo
justo, solidário e fraterno. Sou feliz é na luta, cuidando das minhas duas crianças,
vivendo no meu barraco com meu marido. Hoje ajudo na coordenação de Dandara e
sou educadora na comunidade. Tenho só oitava série, mas estou retomando meus
estudos e na Universidade me tornarei uma advogada do povo para lutar contra as
injustiças que pisam em tantos inocentes. Dandara, a companheira de Zumbi dos
Palmares, vive em mim e em tantas companheiras. Sou dandarense com muito
orgulho.”
[1] Mestre em Exegese Bíblica, professor de
Teologia Bíblia, assessor da CPT, CEBs, SAB e Via Campesina – e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
– www.gilvander.org.br
[2] Cf. o livro de Juízes 4-5, particularmente Jz
5,24.
[3] Cf. o livro de Juízes 4-5.
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