-
Frei Gilvander Moreira
As comunidades do Evangelho de Lucas e de Atos dos
Apóstolos – obra lucana - apresentam um rosto diferente do rosto das
comunidades da Judéia, da Samaria e da Galileia de cunho mais rural,
comunidades dos Evangelhos de Marcos e Mateus. Eis, abaixo, seis
características do rosto das Comunidades lucanas.
1.As comunidades de Lucas são predominantementecomunidades
urbanas, melhor dizendo, das periferias das grandes cidades. No
evangelho de Lucas, a palavra grega polis, que, em grego, significa
cidade, aparece 40 vezes; em Mateus, 26; e em Marcos, 8. Nos evangelhos
sinóticos (Mc, Mt e Lc), o ensinamento é realizado, basicamente, a partir de
imagens da natureza, do campo e do trabalho rural (cf. ovelhas, pastores,
videira, semente, semeador etc). No livro de Atos dos Apóstolos, essas imagens
não aparecem. Isso dá a entender que são comunidades mais urbanas. De fato, no
livro dos Atos dos Apóstolos, a palavra cidade aparece 42 vezes.
2.Comunidades de pobres com alguns ricos. Há
um contraste que aparece, sobretudo, no evangelho de Lucas: de um lado, os
pobres, famintos, perseguidos, aflitos (Lc 6,20-23) e, do outro, os ricos (Lc
12,16-21) que se banqueteiam sem se preocupar com a miséria dos outros (Lc
16,19-31). Para as comunidades lucanas era importante "não dar murro em
ponta de faca”. No meio de uma correlação desigual de forças, melhor
infiltrar-se do que confrontar-se com império gigante. Lucas é intransigente em
face da opressão econômica e quanto à exigência ética do cristianismo, mas,
para fazê-la prevalecer, não se nega ao diálogo cultural e político, a fim de
canalizar para o bem a força histórica do mal. Lucas percebeu, muito antes de
Paulo Freire, que a melhor forma de amar os opressores é tirar das mãos deles
as armas da opressão.
3.Comunidades nas quais há cristãos que
continuam ligados às instituições do Império Romano (Lc 7,1-10). Lucas
não quer complicar ainda mais a situação dos cristãos que já estavam sendo
perseguidos quando o Evangelho, primeira parte da sua obra, fora escrito. Ele
demonstra simpatia pelos romanos ao dar a entender que a própria condenação de
Jesus foi motivada pela ignorância romana(1). Por uma tática de sobrevivência,
Lucas tenta passar a ideia de que as comunidades cristãs não são
revolucionárias, subversivas. Assim, não cutuca a onça com vara curta, mas se
prepara para cutucar com vara grande.
4.Comunidades que revelam um contexto patriarcal
e machista. As mulheres, de uma forma geral, eram desprezadas e
marginalizadas na sociedade. Mas no Evangelho de Lucas, Jesus dá prioridade às
mulheres(2), valoriza sua presença e atuação nas comunidades e na sociedade.
"Na narração do nascimento de João Batista e de Jesus (Lc 1,5–2,52)
rompe-se o padrão que colocava o homem em primeiro plano e que deixava à margem
tanto a mulher como a criança. Nessas narrativas, as crianças são apresentadas
junto com a presença atuante de suas mães. Elas é que são protagonistas da
novidade, anunciadoras das "grandes coisas que o Poderoso fez” (Lc 1,49)(3),
mesmo vivendo em um contexto patriarcal e machista.
5.Comunidades com pessoas cansadas, medrosas,
desanimadas e perdidas por causa da situação na qual viviam (Lc
24,13-24). Os cristãos são uma minoria perdida no meio de um imenso império,
nas periferias das grandes cidades. Apenas alguns milhares no meio de um
Império com cerca de 60 milhões de pessoas. Uns começam a abandonar as
comunidades; outros duvidam que Jesus seja o Salvador, têm dificuldade de
acreditar que seja possível viver em fraternidade e resistir ao império com
suas seduções opressoras.
6.Comunidades com diversidade de dons os
quais se articulavam por meio do cimento da solidariedade. Isso
é ótimo, pois o Espírito não se deixa encurralar e não aceita ser engaiolado;
sopra onde quer, como quer; é livre e liberta. Paulo reitera diversas vezes:
"Não percam a liberdade cristã!” (2Cor 3,17); "Não entristeçam o
Espírito Santo!” (Ef 4,30).
Oxalá esse simples texto ajude na compreensão do
Evangelho de Lucas e, principalmente, nos inspire na construção de comunidades
que, de fato, tenham um rosto parecido com o rosto das Primeiras comunidades
cristãs.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 07 de janeiro de 2013.
Notas:
(1) Cf. Lc 23,34; At 3,17; 7,60;
13,27; 16,29-40; 18,12-17.
(2) Cf. Lc 7,36-50; 8,1-3; 10,38-42;
13,10-17; 15,8-10.
(3) VASCONCELLOS, P. L. A Boa Notícia
segundo a comunidade de Lucas. São Leopoldo, CEBI, 1998. p. 37. (Coleção A
Palavra na Vida 123/124)
Nenhum comentário:
Postar um comentário