Fernando Antonio Reis Filgueira, M.Sc., Dr. - Professor de
Olericultura e Coordenador de Agronomia na Universidade Estadual de Goiás,
Unidade Universitária de Ipameri - GO - 330, Km 241, s/n Anel Viário Ipameri,
GO, Cep. 75780-000
1.
DOS ANDES PARA O MUNDO
Quando os conquistadores
espanhóis invadiram o Império Inca em busca de riquezas, ao final do século
XVI, jamais poderiam imaginar que levariam para a Europa e o resto do mundo um
bem muito mais precioso: a batata andina. Esta foi disseminada pelos
navegadores espanhóis e ingleses para as colônias – origem da denominação de
“batata inglesa”. Entretanto, foram os incas e outros povos indígenas que,
durante oito milênios, desenvolveram a bataticultura, utilizando espécies
andinas. Técnicas eficientes de produção tornaram a batata o principal produto
agrícola, bem como a base da alimentação na Civilização Inca. Assim, foram
selecionados tipos variados para os diversos usos na alimentação, alguns ainda
hoje encontrados em países andinos.
Na Região Andina há mais
de duas centenas de espécies silvestres tuberíferas, além de dez ou mais
espécies cultivadas, sendo a batata que tornou-se cosmopolita uma dessas.
Entretanto, os espanhóis
levaram para a Espanha, em 1570, uma única espécie: Solanum tuberosum ssp.
andigena; há relatos de uma segunda introdução, em 1590, na Inglaterra.
Contudo, somente cerca de 200 anos após, a batata tornou-se um alimento básico
na Europa, sendo, a partir de então, introduzida em todos os
continentes. Para europeus, norteamericanos e latino-americanos, exceto os
brasileiros, a batata constitui a base da dieta alimentar diária; em outros
países, como no Brasil, é utilizada em menor escala, como hortaliça.
A batateira é originária
da região próxima ao equador terrestre, nas proximidades do lago Titicaca,
próximo à fronteira entre Peru e Bolívia. Nessa região, dias e noites têm
duração igual, de 12 horas ao longo do ano. Entretanto os europeus adaptaram a
cultura para fotoperíodos longos de 16 até 18 horas, sendo que as plantas que
não tuberizaram foram eliminadas. Assim, com o tempo, ocorreu a adaptação aos
dias longos do verão europeu, que foi completada no início do século XIX.
Paralelamente houve acentuada erosão
genética, perdendo-se preciosos genes responsáveis pela resistência a doenças e
pragas – razão da elevada suscetibilidade das cultivares européias.
Portanto, as cultivares
européias pertencem à espécie hoje cosmopolita Solanum tuberosum ssp. uberosum
originária da subespécie andigena, após a adaptação às condições da Europa.
Tais condições favorecem a produtividade, em culturas de primavera-verão, sob
dias acentuadamente longos, seguindo-se um inverno rigoroso, o que limita a
sobrevivência de fitopatógenos e insetospragas. Contrariamente, nos novos
nichos ecológicos conquistados, as cultivares européias não manifestam
adaptação ótima, resultando em que a cultura apresenta produtividade elevada e
custo reduzido, na Europa, e produtividade menor, a um custo mais elevado, em
regiões tropicais.
Nada mais simbólico da
origem andina da batata do que a prece cerimonial pela safra, em tempos
pré-colombianos, quando o Filho do Sol reunia os representantes das províncias
do imenso Império Inca na capital Cuzco. Essa oração foi traduzida da língua
original para o espanhol pelo agrônomo Marcos
Reinstein, sendo aqui apresentada em português, incluída como homenagem aos
indígenas andinos – os primeiros bataticultores.
“Ó Criador! Senhor dos
confins do mundo, misericordioso, que dás vida às coisas e que neste mundo
criastes os homens para que comessem e bebessem, multiplicai os frutos da
terra, as batatas e os demais alimentos que criastes, multiplicai-os para que
os homens não padeçam de fome nem de miséria, para que todos se criem, não haja
geada nem granizo; guardai-os em paz e a salvo!”
2.
A BATATICULTURA BRASILEIRA
No Brasil, a batata se
destaca como a cultura olerácea de maior relevância econômica para o País –
cerca de 140 mil hectares/ano e quase 3 milhões de toneladas, em 2004. Contudo,
muito há que fazer para a expansão e o aprimoramento dessa cultura, o que
envolve empresários rurais e autoridades.
São utilizadas
cultivares européias, predominantemente, as quais vêm sendo introduzidas a
partir da década de 1940. Contudo, poucas delas permanecem em cultivo ao longo
do tempo, sendo uma exceção a cultivar holandesa Bintje. Assim, ao invés de
utilizar o rico germoplasma andino para a criação de cultivares melhor
adaptadas às condições tropicais, incluindo resistência a doenças e pragas, são
utilizadas cultivares desenvolvidas para as condições européias. Estas são
plantadas sob fotoperíodos de 11 a 13 horas, no centro-sul, portanto em
condições diferenciadas em relação à Europa. Por outro lado, é muito menor a
área plantada com as poucas cultivares nacionais disponíveis. Assim, devido à
utilização de cultivares pouco adaptadas às condições edafoclimáticas
brasileiras, não é de se admirar que a média brasileira de produtividade seja
de pouco mais que 20 t/ha, enquanto que países europeus, mais avançados na
cultura, apresentem média superior a 40 t/ha. Inclusive a produtividade
potencial da cultura atinge 100 t/ha, segundo pesquisadores, sendo obtida por
produtores norte-americanos.
A bataticultura vem se
desenvolvendo em regiões climaticamente mais propícias, em Minas Gerais,
Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, também em Goiás,
Distrito Federal e Bahia, mais recentemente, quer seja pela altitude ou pela
latitude favoráveis. No Brasil, o calor é o fator climático limitante, sendo
que a cultura prospera melhor quando há cerca de 10 graus Celsius de diferença
entre a média das temperaturas diurnas e noturnas, sendo ideais 25 e 15 graus,
respectivamente. Além dos aspectos agronômicos, notadamente a elevada
incidência de doenças e pragas e a exigência de adubação mineral pesada, o
custo de produção é um dos mais elevados do mundo: de três a cinco mil dólares
por hectare. Assim a produção nacional perde em competitividade com outros
países, resultando em que produtos industrializados de batata, principalmente,
sejam importados. Além disso, impede que a batata-consumo brasileira se torne
um artigo de exportação, ao lado da soja e do algodão, por exemplo.
Embora considerada a
quarta fonte alimentar da humanidade, situando-se logo após o arroz, o trigo e
o milho, a batata não constitui um alimento básico para os brasileiros. Assim,
enquanto há países europeus nos quais o consumo anual médio por pessoa
ultrapassa 100 kg, no Brasil não atinge 15 kg. Uma das razões para esse baixo
consumo é o preço elevado pago pelo consumidor, decorrente do custo elevado de
produção no campo e por deficiências no abastecimento e na comercialização.
Seguramente, em se
tornando disponíveis cultivares, nacionais ou importadas, melhor adaptadas,
mais produtivas e mais resistentes aos fatores deletérios (bióticos ou
abióticos) ocorrerá a desejável evolução da cultura, a exemplo do que vem
ocorrendo com soja, algodão e outras culturas. E a resposta para esse problema
é simples e complexa ao mesmo tempo: o fitomelhoramento genético.
3.
O FITOMELHORAMENTO GENÉTICO
Uma cultivar de batata é uma coleção de plantas genotipicamente idênticas,
literalmente, originárias da propagação vegetativa de uma única planta matriz.
Ao longo do tempo, a identidade genotípica das plantas será mantida,
geralmente.
Entretanto, o
comportamento de uma cultivar em um determinado ambiente será a resultante do
exclusivo efeito genotípico, do efeito ambiental e da interação entre ambos,
razão pela qual uma cultivar em ambientes diversificados sofre interação com os
mesmos, resultando em comportamento agronômico diferenciado.
Por essa razão, uma
cultivar desenvolvida para condições edafoclimáticas européias, provavelmente,
não manifestará todo o seu potencial nas condições brasileiras. A solução para
os problemas agronômicos envolve a criação de cultivares melhor adaptadas às
condições de clima e solo das regiões produtoras, inclusive resistência às
doenças e pragas. Lamentavelmente, enquanto que um país como a Holanda se
empenha na criação de cultivares melhoradas e produção de batata-semente, há
muitas décadas, os
esforços nesse sentido são tímidos, por aqui. Não se nota – e venho
acompanhando o problema há 44 anos de atuação como agrônomo – empenho
governamental no sentido do aprimoramento da bataticultura. Assim é que são
pouquíssimos os agrônomos atuando nas instituições oficiais com melhoramento
genético de batata – uma atividade que ainda não atraiu a iniciativa
particular. Apenas um punhado de pesquisadores abnegados vem atuando com
fitomelhormento em instituições oficiais localizadas em Pelotas, Campinas,
Brasília, Lavras e em poucas outras localidades, com severas restrições de
verbas, instalações, equipamentos e pessoal habilitado. Numa época em que tanto
se fala em “parceria-público-privada” uma parceria de relevante interesse seria
entre entidades oficiais brasileiras, como a EMBRAPA, e organizações oficiais e
particulares européias, notadamente de países com tradição no melhoramento
genético da batata e tradicionais fornecedores de batata-semente. Há que
considerar também o Peru – pátria de origem da batata – e que abriga o “Centro
Internacional de la Papa” – notável instituição responsável pela coleta e
preservação do precioso germoplasma andino. Essa organização se dispõe,
inclusive, a auxiliar países que pretendam desenvolver o melhoramento genético
da batata.
As características
ideais de uma cultivar para mesa seriam as seguintes, na opinião de
pesquisadores e bataticultores consultados: · Ciclo em torno de 100 dias até o
secamento natural das plantas, permitindo dois plantios ao ano utilizando-se a
batatasemente certificada introduzida e a “filha de caixa”, como opção;
· Planta vigorosa e
produtiva capaz de cobrir rapidamente o solo, competindo vantajosamente com
plantas invasoras;
· Nível elevado de
resistência às principais doenças fúngicas (notadamente, pintapreta e
requeima), bacterioses e viroses; também ao nematóide-de-galha.
· Ausência ou resistência a anomalias de origem fisiológica, especialmente,
esverdecimento, embonecamento, coração-oco, rachadura e chocolate;
· Produtividade elevada (acima de 30 t/ ha), com alta incidência de tubérculos
comerciáveis, exigindo menor aplicação de fertilizantes e defensivos, em
relação às cultivares atualmente plantadas;
· Tubérculos de bom aspecto, com formato alongado, uniforme, película lisa,
olhos superficiais e coloração amarelada (externa e interna) ou, película
rosada e polpa branca, como nova opção para os consumidores;
· Boas propriedades culinárias no preparo doméstico, inclusive boa adequação ao
preparo de batata-frita – forma mais popular de uso da batata;
· Curto período de dormência das gemas, viabilizando dois plantios ao ano a
partir de batata-semente básica ou certificada introduzida, dispensando a
indução artificial da brotação.
Utopia? Não creio.
Inegavelmente, o que vem ocorrendo é o desinteresse das autoridades superiores
pelos problemas enfrentados pelos bataticultores. Inegavelmente, além da falta
de decisão política para enfrentá-los, há que também melhorar a organização do
agronegócio da batata no Brasil. Seria ideal um Plano Nacional de Incentivo e
Aprimoramento da Bataticultura, que englobasse ações efetivas de pesquisa,
extensão rural, assistência técnica, crédito rural e também de ensino técnico e
universitário.
E note-se que
pesquisadores, professores e extensionistas de alto nível existem no país, mas
falta-lhes maiores oportunidades de trabalho. Organizações de bataticultores
existem, e algumas são bem atuantes,
como a Associação Brasileira da Batata (ABBA), que vem envidando esforços no
sentido do aprimoramento não apenas da produção, mas também da comercialização
e industrialização da batata. Contudo, muito ainda necessita ser feito, o que
implica em entrosar entidades públicas e privadas, no processo.
4.
CONCLUSÃO
Elevado potencial para a
bataticultura, em termos edafoclimáticos, quer seja nas regiões meridionais ou
naquelas de altitude no centro-sul e no nordeste existe, sendo ainda
precariamente aproveitado. Com a introdução de novas cultivares melhor
adaptadas, racionalização no uso da adubação, na aplicação de defensivos e na
irrigação certamente correrá aumento na eficiência agronômica e econômica do
agronegócio da baticultura. Há razões ponderáveis para se acreditar no
potencial da cultura, de modo que a produção do tubérculo andino seja aprimorada.
Como conseqüência, a batata poderá vir a ocupar um lugar proeminente na alimentação
popular. E não apenas a batata para preparo culinário doméstico, mas também os
produtos industrializados, deverão popularizar-se ainda mais, com inegáveis
benefícios também de ordem nutricional.