segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O mal-estar da globalização




Adital
José Antonio Segatto é professor titular de Sociologia da UNESP
Criou-se um mercado mundial de produtos, capitais e mão de obra, não o cidadão do mundo.
Nos anos 80 do século 20 foi desencadeado um complexo e diversificado processo transformador que culminou com o ingresso do capitalismo numa nova fase, a globalização, expressa em mudanças como a reestruturação produtiva, a financeirização da economia, a revolução técnico-científica, as políticas socioeconômicas neoliberais, a internacionalização extensiva e impetuosa de todas as relações, a debilitação da soberania e da autonomia deliberativa dos Estados nacionais, etc.
O processo de globalização implicou alterações múltiplas e substanciais: 1) o movimento do capital ganhou velocidade excepcional e sua capacidade de reprodução foi potencializada; 2) o mercado financeiro foi tornado global e virtual e o fluxo de moedas e capitais alcançou agilidade exponencial; 3) a circulação de mercadorias e capitais, o deslocamento de pessoas e grupos, em todas as direções e regiões, criaram condições para a desterritorialização econômica e o desenraizamento cultural e identitário, desalinhando ou dissipando fronteiras, reais ou imaginárias; 4) as relações de trabalho, a sociabilidade e a representação, os meios de informação e comunicação viram-se drasticamente alterados e transtornados; 5) a redefinição das atribuições e soberania dos Estados nacionais levou à corrosão da autoridade e da jurisdição, à efemeridade das instituições e esferas de representação e deliberação, fragilizando a sociedade civil e política (Parlamento e Judiciário, partidos e sindicatos, etc.) – o alcance e o significado da democracia foram obstados ou mesmo constrangidos.
Nessas circunstâncias, houve o deslocamento abrangente da indústria e dos serviços para a periferia do capitalismo, transferindo-se empregos e capital, com diminutos custos tributários, poucas exigências de reposição ambiental e alta rentabilidade. No sentido inverso, os contínuos fluxos migratórios da Ásia, África e América Latina para a Europa e os Estados Unidos, permitiram a constituição de um exército de trabalhadores disponíveis, constituído de mão de obra barata. Concomitantemente, a introdução de novas tecnologias (informática, robótica, etc.) e métodos de gestão promoveu a reestruturação da produção e da circulação de mercadorias, eliminando, em larga escala, antigos postos de trabalho – a extinção de profissões tradicionais gerou uma população de trabalhadores excluídos por não se adequarem às exigências do mercado de trabalho, altamente competitivo. Podem-se juntar a esses fatos as sucessivas crises econômicas, como a de 2008, causada em grande medida pela financeirização da economia e pelas políticas de austeridade para combatê-la.
Em congruência com a globalização, desencadeou-se uma forte ofensiva contra o Estado de bem-estar social e a favor da desregulamentação das relações sociais e da supressão de quaisquer obstáculos à liberdade das mercadorias (inclusive a mão de obra) e à sua livre circulação. Movido pela lógica da economia política neoliberal, o processo de globalização, implementado nas últimas três ou quatro décadas, cobra agora seu preço. Mesmo nos países protagonistas na sua indução, parcela considerável da sociedade foi acometida por suas vicissitudes: crises econômicas, decréscimo da estatura e abrangência do Estado, subtração de direitos, aviltamento das condições de existência e aumento das desigualdades, contenção das políticas públicas, deslocamento de empregos e precarização das relações de trabalho, mercantilização brutal das relações sociais e humanas, esgarçamento de identidades coletivas, perturbação de sociabilidades, disseminação da insegurança e da instabilidade.
Ademais, se a globalização tem corroído e reordenado os poderes dos e nos Estados-nação, promovendo e intensificando o movimento de mercadorias e capitais, indivíduos e mão de obra em todos os países e continentes, não resolveu a contento o problema do exercício dos direitos de cidadania do adventício, que continuam sendo privilégio dos nacionais – ao mesmo tempo que criou um mercado mundial de produtos, capitais e mão de obra, não criou o cidadão do mundo.
Tomados em conjunto, esses fatores têm suscitado mal-estar e ressentimentos incomuns, particularmente nos países da Europa e nos Estados Unidos. Têm também despertado patriotismos, promovido o reavivamento de ideologias políticas e religiosas fundamentalistas e conservadoras, intolerantes e anti-humanistas, potencializando extremos: direita tradicionalista – Frente Nacional (França), Ukip (Inglaterra), Pegida e AfD (Alemanha), Liga do Norte (Itália), etc.; e esquerda negativa – Podemos (Espanha), Movimento Cinco Estrelas (Itália) e outras organizações.
Emblemáticos desse fenômeno são o plebiscito, recém-realizado, que determinou a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit) e a ascensão do candidato à presidência dos Estados Unidos DonaldTrump. Não por acaso, as plataformas de ambos são quase análogas: defesa da soberania e resgate de valores e identidade nacional, fortalecimento das fronteiras contra a imigração, pregação do chauvinismo e da xenofobia, proteção da moeda, repatriamento de empresas, capitais e empregos perdidos, prerrogativa de direitos para os nativos. Trump promete que, com sua eleição, "o povo americano vai declarar novamente a independência dos Estados Unidos”.
Tais movimentos e organizações têm procurado reativar velhas concepções e práticas fundadas na recessão política e no déficit democrático, que, embora de triste memória, ainda vagam erráticas e continuam assombrando – com a barbárie e o apocalipse – os que prezam a liberdade e a igualdade, a fraternidade e a justiça. Isto posto, cremos que não é demasiado lembrar a advertência feita pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht numa de suas peças, no pós-guerra, ao se referir ao nazi-fascismo: "Ainda está fecundo e procriando o ventre de onde isso veio engatinhando”.

Nada mais ideológico do que uma 'escola sem partido'




Inesc
Adital

Artigo de Cleo Manhas, assessora política do Inesc.
O que seria a tão falada, e pouco explicada, ‘escola sem partido’? Basicamente, trata-se de uma falsa dicotomia, pois não diz respeito a não partidarização das escolas, mas sim à retirada do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade de se democratizar a escola, esse espaço de partilhas e aprendizados ainda tão fechado, que precisa de abertura e diálogo.
A pauta que precisamos debater é a da qualidade da educação, e não falácias ideológicas sobre a "não ideologização da escola”, algo que se vê até mesmo em alguns diálogos sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O Plano Nacional de Educação foi aprovado há dois anos e, durante sua tramitação, uma das polêmicas suscitadas foi acerca da promoção das equidades de gênero, raça/etnia, regional, orientação sexual, que acabou excluída do texto do projeto. Por consequência, isso influenciou a tramitação dos planos estaduais e municipais, que também sucumbiram ao lobby conservador e refutaram qualquer menção a gênero, por exemplo, difundindo a falsa tese da aberração intitulada "ideologia de gênero”. Isso causou uma confusão deliberada entre uma categoria teórica e uma pretensa ideologia.
Marivete Gesser, do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que "gênero pode ser caracterizado como uma construção discursiva sobre nascer com um corpo com genitália masculina ou feminina” e, por meio de normas sobre masculinidade e feminilidade, vamos nos construindo como sujeitos "generificados”. O preconceito vem dos discursos que naturalizam os lugares sociais de homens e mulheres como únicas representações, e segregam qualquer outra forma de manifestação. Além disso, em pesquisa realizada com por estudantes do ensino médio em Brasília, feita no âmbito do projeto Educação de Qualidade (Inesc/Unicef), constatamos que uma das razões do abandono escolar é a discriminação relativa ao público LGBTI. Razões mais do que suficientes para discutirmos gênero nas escolas.
Qual a ligação entre esses dois temas, ‘escola sem partido’ e ‘ideologia de gênero’, e momentos tão distintos? O que parece ter diferentes motivações e origens resulta dos mesmos elementos: os fundamentalismos conservadores que tentam passar às pessoas suas ideologias e crenças. Afinal de contas, não são apenas os pensamentos marxistas que são ideológicos, como tentam fazer crer os defensores da "escola sem partido”. Sendo assim, o que significa ideologia então?
Um dos conceitos mais difundidos é o de Karl Marx em parceria com Friedrich Engels, na obra a Ideologia Alemã, em que afirmam ser a ideologia uma consciência falsa da realidade, importante para que determinada classe social exerça poder sobre a outra, bem como a necessidade de a classe dominante fazer com que a realidade seja vista a partir de seu enfoque.
O conceito, no entanto, sofreu inúmeras interpretações, como a de Lênin para a ideologia socialista, como forma de definir o próprio marxismo. Portanto, há ideologia nas diferentes formas de ver e conceber o mundo. Não existe neutralidade. Quando defendem a ‘não ideologização’, em nome dessa pretensa neutralidade, também estão impregnados de ideologia. Os teóricos do projeto "escola sem partido” advogam a neutralidade e se dizem não partidários. No entanto, suas intenções são claras: a retroação dos avanços que tivemos nos últimos tempos, especialmente com relação aos direitos humanos. Por exemplo, quando dizem lutar contra a doutrinação, uma das situações apresentadas no site do movimento da ‘escola sem partido’ é um seminário realizado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados sobre direitos LGBT e a política de educação. Eles citam esse caso como uma afronta ao artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos humanos, afirmando que pais e seus filhos têm que ter uma educação moral de acordo com suas convicções. É uma deturpação do citado artigo, que diz respeito à liberdade religiosa que deve ser respeitada individualmente. Além disso, manipulam e fazem confusão deliberada com a discussão realizada no seminário, que reafirmou a importância de se debater questões de gênero e de sexualidade nas escolas, para que as diferenças não sejam transformadas em desigualdades.
Em outro momento, dizem que os alunos (a quem chamam de ‘vítimas’) acabam sofrendo de Síndrome de Estocolmo, se ligando emocionalmente a seus algozes (‘professores doutrinadores’). Nesse caso, os estudantes se recusariam a admitir que estão sendo manipulados por seus professores e sairiam furiosos em suas defesas. Para exemplificar, citam momentos identificados como "monstro totalitário arreganha os dentes” e chamam os estudantes de soldadinhos da guarda vermelha.
Em um dos livros desse movimento, é passada a noção de que o professor não é um educador, separando assim o ato de ensinar (passar conteúdos) e educar. O/A professor(a) deveria estar ali apenas para passar conteúdo sem crítica, problematização ou contextualização, em um ato mecânico. Paulo Freire é demonizado como o grande doutrinador – justo ele, que construiu uma obra toda para combater doutrinações.
Esse movimento da ‘escola sem partido’ nasceu em 2004 e não gerou muitas preocupações, porque parecia muito absurdo e coisa pequena. No entanto, tem tomado corpo e crescido, na mesma toada de movimentos fascistas tais como ‘revoltados online’, responsável por apresentar recentemente a proposta da ‘escola sem partido’ ao ministro da Educação do governo ilegítimo. Aliás, é bom dizer que foi a primeira audiência concedida pela pasta da Educação nesta gestão ilegítima. E em vídeo, os criadores da ‘escola sem partido’ e do ‘revoltados online’ explicam que criaram tais coisas a partir de motivações pessoais. Ou seja, eles tentam impingir ao país projeto com base em impressões e vivências individuais.
A proposta foi apresentada em forma de projeto pela primeira vez no Estado do Rio de Janeiro, pelo deputado Flávio Bolsonaro. A segunda vez foi no Município do Rio de Janeiro, pelo vereador Carlos Bolsonaro – ambos filhos do deputado federal Jair Bolsonaro. E tal proposta já se espalhou por diversas câmaras municipais e assembleias legislativas. Em âmbito nacional, o deputado Izalci (PSDB/DF) apresentou o PL 867/2015 à Câmara Federal , que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Dentre várias questões, o artigo 3º do referido projeto diz o seguinte: "Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.” O que viola tais convicções provavelmente será julgado de acordo com o que e com quem quiserem criminalizar. O projeto ainda levanta uma polêmica do século XIX quando se discutia a dicotomia família e escola, o que deveria estar superado no século XXI.
Há vários projetos tramitando apensados a esse, ainda mais perversos. Um deles, do deputado Victório Galli, do PSC/MT, proíbe a distribuição de livros didáticos que falem de diversidade sexual. E há ainda o projeto de lei 1411/2015, do deputado Rogério Marinho PSDB/RN, cujo relator é o mesmo deputado Izalci. Esse projeto tipifica o crime de assédio ideológico, que, de acordo com o projeto, significa: "toda prática que condicione o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou qualquer tipo de constrangimento causado por outrem ao aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente.” E diz ainda que o professor, orientador, coordenador que o praticar dentro do estabelecimento de ensino terá a pena acrescida de um terço. Ou seja, as opiniões fora da escola, tais como nas redes sociais, poderão penalizar o profissional da educação também.

O movimento criou recentemente uma ‘associação escola sem partido’ para ter uma entidade com a qual pudesse recorrer à Justiça em casos que julgasse relevantes. E a primeira ação por eles promovida foi contra o INEP, devido ao tema da redação do Enem de 2015, que tratava de violência contra as mulheres, tema que julgaram doutrinador e partidário. A violência contra as mulheres é reconhecida como grave problema em diversos tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), aprovada pela ONU em 1979 eoutros que a seguiram. No Brasil, a cada 4 minutos uma mulher dá entrada no SUS por ter sofrido violência física, e 13 mulheres são assassinadas a cada dia - uma a cada uma hora e 50 minutos. A violência está inclusive nas próprias escolas, como demonstrou a iniciativa "Meu professor abusador”.

Há vários ovos de serpente chocando no momento em diversos locais, sejam no âmbito dos legislativos municipais, estaduais, ou nacional, e mesmo nos Executivos, e não temos garantias que o Judiciário irá barrar tais aberrações. Portanto, nossa única arma é a manifestação, a nossa presença nas ruas e a disseminação de informações a um público maior possível, já que é na internet e em redes como whatsapp que esses grupos tem angariado seguidores, muitos deles muito jovens. É preciso promover debates que esclareçam essas situações que estão amadurecendo na surdina, com pessoas que não nos representam, mas estão em cadeiras que permitem tais movimentos.

Escola Sem Partido é ideia dos partidos de direita




Mailson Ramos
Adital

No país das excrescências, a Escola Sem Partido é mais uma delas. O PL 193/2016, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), inclui nas diretrizes básicas de educação o projeto que visa a neutralidade política, ideológica e religiosa do professor em sala de aula.
Decreta, em seu artigo 5º, parágrafo I, que "no exercício de suas funções, o professor: não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”.
Ratifica, nos parágrafos III e IV que o professor "não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas” e "ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito”.
O mentor intelectual desta empreitada é o advogado Miguel Nagib, também diretor da ONG Escola Sem Partido. Miguel é articulista do Instituto Millenium reconhecido espaço de organização e difusão de ideias da direita brasileira, que reúne figuras como Rodrigo Constantino, Olavo de Carvalho, Luís Felipe Pondé e Reinaldo de Azevedo.
Em outras palavras, a Escola Sem Partido surgiria de ideais claramente direitistas e conservadores, atrelada a posições que se contrapõem à chamada "doutrinação ideológica” nas escolas brasileiras. Não nos espanta que, recentemente, em Curitiba, uma professora da rede pública de ensino tenha sido suspensa por abordar Marx em sala de aula.
Em agosto de 2015, o deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), titular da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, propôs uma lei que torna crime o "assédio ideológico” em ambiente escolar.
O projeto de lei visava alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para que seja incluído entre os direitos da criança e do adolescente "adotar posicionamentos ideológicos de forma espontânea, livre de assédio de terceiros”.
Estas medidas que julgam suprimir na escola a partidarização e as ideologias políticas são cortinas de fumaça para uma partidarização de direita, onde viceje o conservadorismo de outrora; porque reprimir o professor em sala de aula é o primeiro passo para a desconstrução de uma sociedade que sabe debater, interagir, opor-se.
Projetos como estes são um desrespeito total à integridade profissional do professor, à sua liberdade de expressão, à capacidade que ele tem de também educar. Nos confins deste país, onde o(a) professor(a) conserva a respeitabilidade de um pai ou mãe, quem poderia impedi-lo(a) de educar os seus alunos?
E diante da perspectiva do desconhecimento político e ideológico dos pais sobre determinados assuntos da sociedade, poderiam acaso estes alunos permanecer ignorantes, uma vez que ao professor seria vedado o direito de expor a sua opinião? O que representaria este atraso senão uma falha educacional numa inteira geração? Num país de gente que mal compreende a política, qual seria o impacto de uma geração que teve os seus professores amordaçados e impedidos de falar sobre política?
Como aluno, este colunista não abdicaria de uma só orientação ideológica, desde que feita sob debate. Na escola e na academia não há espaço para a supressão de uma ideologia e ascensão de outra: deve haver espaço para debate, profundo e reflexivo. Quando se imprime uma ideia de alteração funcional das atribuições do professor, cerceando com isso o seu direito de se expressar, o resultado é sempre catastrófico.
Tão excelsa é a capacidade do professor que a sua dignidade se expande além das esferas de tempo e espaço. Professor é sempre professor, não importa a idade, a distância, a crença política. Escola Sem Partido só poderia vir mesmo da direita reacionária brasileira, metida a protofascista. Nihil sub sole novi (Nada novo sob o sol).

Mailson Ramos é relações públicas e colunista do site Nossa Política.

terça-feira, 19 de abril de 2016

A REPRODUÇÃO - resenha





RESENHA da obra A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino Pierre BOURDIEU; Jean-Claude PASSERON, A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino, (Tradução: Reynaldo Bairão e revisada por Pedro Benjamin Garcia e Ana Maria Baeta), Ed. Vozes 2ª edição 2009, 266 pp.

Bourdieu é filósofo e Passeron é sociólogo, e ambos lecionavam na École de Sociologie du Collège de France, instituição que o consagrou como um dos maiores intelectuais de seu tempo. Bourdieu e Passeron trabalhavam com as idéias de três pensadores que são considerados fundadores modernos da sociologia: E. Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Os autores estão profundamente ligados à concepção do marxismo, capitalismo, luta de classes, entre outros. E Bourdieu discorre em sua obra “A Reprodução” alguns desses temas, principalmente o capitalismo e as classes sociais geradas pelo sistema. Existia na obra de E. Durkheim certa ambição em unificar os saberes das ciências humanas em torno da sociologia, e seguindo essa linha Bourdieu em suas obras faz uma síntese interativa entre o modelo de Durkheim e o estruturalismo, ao qual se conecta com a sociologia de Durkheim para desvendar o peso das estruturas sociais por trás das ações dos sujeitos, subentende-se aqui nessa extensão radical do modelo de Durkheim que os indivíduos estão submetidos ao controle das estruturas da sociedade. Para Bourdieu, a junção das teorias de Durkheim e do estruturalismo permite demonstrar como os indivíduos, em sua ação, apenas reproduzem os ditames determinados pela estrutura social vigente. Em 1970 Bourdieu e Passeron em parceria lançaram o livro “A REPRODUÇÃO”, ao qual defendem que toda ação pedagógica é, objetivamente, uma ação simbólica. Devem-se explicitar aqui os conceitos de violência simbólica, ao qual se define como imposição arbitraria que é apresentado àquele que sofre a violência de modo disfarçado e que oculta às relações de força que estão no topo da pirâmide do poder. Partindo-se desse principio a ação pedagógica, portanto é uma violência simbólica, pois é imposta por um poder arbitrário que eles chamam de arbítrio cultural. Bourdieu e Passeron viveram no século XX e iniciaram suas obras numa época de transição entre o período de guerras da primeira metade do século XX e o período das revoluções comportamentais e tecnológicas da segunda metade. Esta obra é composta de duas partes de acordo com a problemática elaborada pelos autores; I- Fundamentos de uma teoria da violência simbólica, e a segunda parte II- A manutenção da ordem.
Bourdieu e Passeron identificam e analisam profundamente a desigualdade na sociedade, não de forma genérica, mas nua e crua, e com todos os detalhes e motivos. Ele fala sobre ações e reações sociais de uma forma bem objetiva, sem rodeios. Na obra “A Reprodução” eles falam sobre a desigualdade de classes e a relacionam com a probabilidade de êxito em todos os campos da vida. Em suma, ele fala que o sistema elimina os fracos e não se preocupa mais em resgatá-los, não tem interesse algum em integra-los á sociedade, pois eles já passaram pelo que Bourdieu chama de estrutura de oportunidades. E ele insere a critica, falando que essa estrutura de oportunidades é extremamente desigual, e que a desigualdade existe, persiste e é legitimada quando os indivíduos passam a reproduzir a mesma, como num ciclo. Os autores trazem uma reflexão profunda sobre o sistema de ensino em vigor. Na época, eles escreveram sobre as universidades na França, mas lendo a obra você acredita e identifica situações que ainda ocorrem no nosso sistema atual, aqui no Brasil. Além da reflexão sobre a desigualdade do sistema de ensino, de conteúdos, de probabilidades de êxito escolar e profissional, os autores falam sobre ‘o exame’ no capítulo 3. E eles desenvolvem o tema, relacionando-o diretamente às estruturas de legitimação da desigualdade e descrevendo-o como uma ferramenta, um meio para que as desigualdades ocorram. Ele é ao mesmo tempo: a avaliação, a seleção, a probabilidade, o êxito e a exclusão do indivíduo.
A obra analisa e critica o modo de ver e pensar da escola francesa, e também define a mesma como “o espaço da reprodução social e um eficiente domínio de legitimação das desigualdades”. A escola é vista pelos autores como um local, uma instituição que reproduz a sociedade e seus valores e que efetiva e legaliza as desigualdades em todos os aspectos, pois é na escola que o legado econômico da família transforma-se em capital cultural.
Nos dois primeiros capítulos, os autores defendem a ideia de que a escola não é neutra, não é justa, não promove a igualdade de oportunidades, e também não transmite da mesma forma determinados conhecimentos, pois é a cultura da classe dominante, ideia essa oriunda da luta de classes do marxismo. A escola, ao tratar de maneira igual tanto em direitos quanto em deveres aqueles que são diferentes socialmente, acaba privilegiando os que por sua herança cultural já são privilegiados.
O terceiro capítulo da obra, chamado “eliminação e seleção”, descreve de forma crítica e analítica o exame na estrutura de ensino, sobretudo francês. É a partir deste pensamento que os autores começam a caracterizar o exame como um instrumento de seleção, classificação, e também a mostrar seu peso e valor no ambiente escolar. Para Bourdieu e Passeron, o exame estabelece uma definição social do conhecimento e da maneira de mostra-los, ou seja, padroniza respostas e reações relacionadas a determinados conteúdos e limita de certa forma, o conhecimento e as capacidades adquiridas e desenvolvidas ao longo dos anos. A escola utiliza o exame para selecionar os indivíduos tecnicamente mais competentes e os classifica desde os primeiros anos de vida escolar, colocando-os sob o status de nobreza escolar. Já aqueles originários de classes populares, muitas vezes são eliminados do sistema antes mesmo de serem examinados e avaliados, o que demonstra o quanto as desigualdades são poderosas e influentes no ingresso e êxito escolar do indivíduo.
Nesse ponto, os autores utilizam os termos “probabilidade de passagem e probabilidade de êxito”, para destacar o quanto as diferenças culturais podem agir na vida e no sucesso escolar de determinada pessoa. Aqueles que vieram ou passaram por uma estrutura social pobre em condições básicas de sobrevivência e informação de qualidade, tem chances menores de obter êxito escolar e ingressar no ensino superior. É uma visão cruel dos fatos tão bem discorrida pelos autores e presentes na realidade desigual do sistema de ensino brasileiro. Os que conseguem ultrapassar essa linha divisória rigorosa tendem a começar a reproduzir tudo aquilo que aprenderam no sistema social em que estavam inseridos e acabam, muitas vezes, recebendo o diploma sem ter desenvolvido as competências básicas exigidas pelo sistema escolar. O exame não pode ser reduzido a apenas um serviço ou uma prática escolar, pois ele determina a vida do sujeito em todos os aspectos, e sua extrema valorização é resultado do sistema de oportunidades em que a sociedade moderna está baseada. Uma falsa estrutura de igualdade social regida pela hierarquia dos êxitos escolares. Essa é uma critica sempre presente no decorrer dos capítulos da reprodução. Tal sistema de oportunidades é exposto pelos autores assim: “Eis porque a estrutura das oportunidades objetivas da ascensão pela Escola condiciona as disposições relativamente à Escola e à ascensão pela Escola, disposições que contribuem por sua vez de uma maneira determinante para definir as oportunidades de ter acesso à Escola, de aderir às suas normas e de nela ter êxito, e, por conseguinte as oportunidades de ascensão social”. (BOURDIEU E PASSERON, 1970 p. 190).
Como se percebe, os autores caracterizam a Escola e sua estrutura como uma oportunidade de ascensão social, ou um meio, um caminho para isso, e esse pensamento é decorrente da democratização do ensino e da elevação de diplomados com o tempo, que leva a escola a substituir progressivamente as desigualdades de acesso ao ensino pelas desigualdades de currículos para manter sua função social de reprodutora social. Com isso, pode-se observar que as escolhas de cursos e instituições de ensino passam a ser fortemente dependentes do poder e repletas de valores atribuídos socialmente graças ao capital e poder simbólico das instituições, agentes escolares e seus usuários. Neste âmbito, o que é valorizado não se restringe a apenas o quanto o indivíduo sabe ou estudou sobre determinado assunto, mas também onde e qual curso prestigiado pela sociedade cursou, efetivando mais uma vez as desigualdades, agora, de currículos. Desta maneira, a partir deste capítulo e da obra como um todo, Bourdieu e Passeron foram capazes, de demonstrar que as características sociais, culturais e políticas do sistema educacional francês, de fato, reproduziram as hierarquias existentes e as formas de dominação social, assim revelando o esvaziamento real das noções de igualdade propagadas por um sistema que seria democrático, e que a todos ofereceria tais oportunidades.
Por isso, o conceito de reprodução, na obra destes autores, é igualmente decisivo, pois permite compreender porque os indivíduos, envolvidos nos discursos e nas ideologias dominantes, contudo os autores acreditam que as chances existam para todos quando, de fato, as estruturas existentes e as práticas sociais que permeiam a estrutura social, ao contrário, apenas reproduzem a situação atual da sociedade, e o exame é um instrumento claro de perpetuação da contraposição entre igualdades e desigualdades no âmbito social.
O que podemos notar nessa obra é a sua atualidade, e sua contextualização com o sistema de ensino brasileiro, a sua ação pedagógica, a noção de classes vinda de Marx, sua objeção ao capitalismo consumista, sua realidade social e política tão bem exporta pelos autores, mostrando sem rodeios, à dura e cruel realidade da maioria dos sistemas de ensinos institucionais, com a realidade vivida pelas massas populares mais carentes. Lendo Bourdieu e Passeron percebe-se o quanto somos tratados como indigentes pelos poderes que regem a tão valorizada democracia, e o quanto temos que lutar contra essa agressão simbólica exercida pelas autoridades, e criar uma mente independente e criativa, ponderando com a realidade vivida e uma chance de crescimentos dentro de uma instituição acadêmica. Vamos á lutar pela igualdade, não essa que nos é apresentada como real, mas uma que ultrapasse os limites dessa dura realidade politica e social ao qual vivemos. Vamos colocar em pratica o que Marx pretendia: Uma revolução proletária, que poderá mudar o nosso rumo diante de perspectivas incertas e arbitrárias.

ELSON CASSIANO SOBRINHO Graduando de História 3º periodo



A Bíblia e Jesus!




1. Em Gênesis Jesus é: O nosso Criador (Gn 1) e A Semente da mulher. (3,15)
2. Em Êxodo Jesus é: O Cordeiro pascoal. (12,5-6)
3. Em Levítico Jesus é: O Sacrifício expiatório. (1,3-6)
4. Em Números Jesus é: A Rocha ferida. (20,11)
5. Em Deuteronômio Jesus é: O Grande Profeta de Deus. (18,15)
6. Em Josué Jesus é: O Príncipe do exército do Senhor. (5,14-15)
7. Em Juizes Jesus é: O Nosso Libertador. (2,16)
8. Em Rute Jesus é: O Nosso Parente. (2,1; 3:2)
9. Em I Samuel Jesus é: A nossa vitória. (17,47)
10. Em II Samuel Jesus é: O descendente de Davi. (7,11-13)
11. Em I Reis Jesus é: O doador da Sabedoria. (3,12; 4,29)
12. Em II Reis Jesus é: O Reis dos Reis. (11,9-21)
13. Em I Crônicas Jesus é: O Rei de Deus. (29,23-32)
14. Em II Crônicas Jesus é: O que faz aliança. (7,14)
15. Em Esdras Jesus é: O nosso auxilio, Senhor dos céus e da terra. (1,2)
16. Em Neemias Jesus é: O nosso ajudador (1,11)
17. Em Tobias Jesus é: O Caminho da verdade (1,2)
18. Em Judite
19. Em Ester Jesus é: O nosso Mardoqueu, sofredor. (3,5-6)
20. Em I Macabeus
21. Em II Macabeus
22. Em Jó Jesus é: O nosso Redentor vivo. (19,25)
23. Em Salmos Jesus é: O guarda de Israel. (121,4)
24. Em Provérbios Jesus é: A sabedoria de Deus. (8,12-35)
25. Em Eclesiastes Jesus é: O alvo verdadeiro. (12,1)
26. Em Cânticos Jesus é: O amado. (2,16)
27. Em Sabedoria
28. Em Eclesiástico Jesus é: A Raiz da sabedoria (1,6)
29. Em Isaías Jesus é: O profeta sofredor. (53,2-4)
30. Em Jeremias Jesus é: A nossa justiça. (33,16)
31. Em Lamentações Jesus é: O varão de Deus. (1,2; 3,1)
32. Em Baruc Jesus é: A Fonte da sabedoria (3,12)
33. Em Ezequiel Jesus é: O pregador mal recebido. (1,1 – 3,27)
34. Em Daniel Jesus é: O Rei Eterno. (2,24; 7,14)
35. Em Oséias Jesus é: O que liga as feridas. (14,4)
36. Em Joel Jesus é: O que habita em Sião. (3,17)
37. Em Amós Jesus é: O teu Deus ò Israel. (4,12)
38. Em Abdias Jesus é: O Senhor no seu Reino. (1,21)
39. Em Jonas Jesus é: O profeta ressuscitado. (1,17; 2,6)
40. Em Miquéias Jesus é: O nascido em Belém. (5,2)
41. Em Naum Jesus é: O que leva as boas novas. (1,15)
42. Em Habacuque Jesus é: O Senhor no Seu Santo Templo. (2,20)
43. Em Sofonias Jesus é: O Senhor que está no meio de ti. (3,17)
44. Em Ageu Jesus é: O Desejado de todas as Nações. (2,7)
45. Em Zacarias Jesus é: O Preço do Cordeiro. (11,12)
46. Em Malaquias Jesus é: O Sol da Justiça. (4,2)
47. Em Mateus Jesus é: O Rei Messias. (2,2)
48. Em Marcos Jesus é: O Servo de Deus. (1,11)
49. Em Lucas Jesus é: O Filho do homem. (19,10)
50. Em João Jesus é: O Filho de Deus. (19,7)
51. Em Atos Jesus é: O doador do Espírito Santo. (1,8)
52. Em Romanos Jesus é: Aquele que nos torna justo aos olhos da lei. (8,1-4)
53. Em I Coríntios Jesus é: As primícias dos que dormem. (15,20)
54. Em II Coríntios Jesus é: A graça de Deus. (12,9)
55. Em Gálatas Jesus é: O verdadeiro evangelho. (1,11-12)
56. Em Efésios Jesus é: Toda Armadura de Deus. (6,10-11)
57. Em Felipenses Jesus é: O que supre as necessidades. (4,13)
58. Em Colossenses Jesus é: O cabeça da Igreja. (1,18; 2,19)
59. Em I Tessalonicenses Jesus é: O vingador de todas as coisas. (4,6)
60. Em II Tessalonicenses Jesus é: O fiel protetor. (3,3)
61. Em I Timóteo Jesus é: O único mediador Entre Deus e os homens. (2,5)
62. Em II Timóteo Jesus é: O Senhor e Justo Juiz. (4,8)
63. Em Tito Jesus é: A graça Salvadora de Todos os homens. (2,11)
64. Em Filemon Jesus é: O Senhor que intercede por nós. (1,10)
65. Em Hebreus Jesus é: O Autor e consumador da fé. (12,2)
66. Em Tiago Jesus é: O dom perfeito vindo de Deus. (1:17)
67. Em I Pedro Jesus é: A pedra principal. (2,7)
68. Em II Pedro Jesus é: O Senhor e Salvador que nos concede a entrada no seu reino. (1,11)
69. Em I João Jesus é: Aquele que se manifestou para desfazer as obras do diabo. (3,8)
70. Em II João Jesus é: A fonte da verdadeira doutrina. (1,9)
71. Em III João Jesus é: O nome que garante a vitória. (1,7)
72. Em Judas Jesus é: O único Soberano e Senhor. (1,4)
73. Em Apocalipse Jesus é: O Rei dos Reis E Senhor dos Senhores Senhores. (19)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Igreja em serviço à sociedade

Antonio Manzatto
  
O Vaticano II compreende a Igreja presente no mundo como servidora dele na proclamação da boa-nova da salvação em Jesus Cristo. O papa Francisco retoma esse ensinamento, lembrando que o mundo todo precisa ser salvo, e por isso a confissão de fé e a ação eclesial têm uma dimensão social que lhes é inerente e precisa ser realizada como contribuição dos cristãos na construção de uma sociedade de paz.
“Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (EG 176).
1. Igreja e mundo
Na Antiguidade, a Igreja enxergava sua relação com o mundo como uma relação de oposição. Isso transparece no período da Igreja primitiva e também na época patrística. Por mundo se entende, evidentemente, não o universo físico, mas sobretudo o social. Falando de uma Igreja contra o mundo, fala-se de uma Igreja contra a sociedade tal qual organizada naquela época. E não é difícil entender o porquê, pois, afinal, se vivia o início do cristianismo em ambiente de confrontação e mesmo de perseguições, sobretudo por parte do Império Romano. Daí que ser contra o mundo era uma postura quase natural dos cristãos, que proclamavam que Jesus é o Senhor, e não César.
A evolução do tempo e da história faz também evoluir a compreensão que a Igreja tem de sua relação com o mundo. No período medieval, então, haverá uma espécie de identificação entre Igreja e mundo, não apenas porque o cristianismo passou a ser a religião oficial do Império Romano e dos Estados que lhe sucederam, mas também porque o mundo todo, ao menos do lado ocidental, passou a ser cristão. Não havia maiores diferenças entre ser cristão e ser cidadão e o batismo era a ocasião em que se oficializava a pertença do indivíduo ao grupo social. Assim, a Igreja era o mundo e o mundo era a Igreja, uma relação de identificação que perdurou praticamente durante todo o período medieval.
O surgimento da modernidade provoca nova organização dessa relação, ainda que de maneira unilateral. O mundo passa a compreender-se como algo diferente da Igreja, isto é, a sociedade começa a organizar-se fora da influência eclesiástica. O símbolo é a Revolução Francesa, da qual decorre a compreensão de que os Estados podem organizar-se como entidades separadas das influências religiosas cristãs. Ainda que não se preconize a laicidade do Estado, que virá a ocorrer mais tarde, ainda assim já na época se compreende a sociedade separada da Igreja. A reação da Igreja foi de insatisfação com essa situação, e seu combate ao modernismo todos conhecemos bem. Ainda hoje há setores na Igreja que combatem essa situação e anseiam pela volta ao regime de cristandade, por motivos igualmente conhecidos.
2. Vaticano II
A separação entre Igreja e mundo faz que o mundo evolua tanto na organização social quanto na capacidade técnica, enquanto a Igreja permanece como que em passo medieval, incapaz de acompanhar os avanços vividos pelas sociedades. A inspirada iniciativa de João XXIII de convocar o Concílio Vaticano II cria uma oportunidade de reaproximação entre a Igreja e a sociedade com seus anseios. A esse empenho eclesial de reencontrar e acompanhar o passo das sociedades humanas chamou-se aggiornamento, atualização. Eis a grande realização do Concílio Vaticano II: possibilitar que a Igreja consiga de novo dialogar com o mundo e a humanidade que o habita. Mais ainda, a Igreja se reconhece, nas palavras da Gaudium et Spes, servidora do mundo, pois não é a Igreja que precisa ser salva, mas o mundo.
Essa noção de Igreja servidora do mundo é que comandará a ação pastoral nos anos seguintes ao concílio, exatamente com a Igreja atentando ao fato de que sua ação é, antes de tudo, pastoral. Por ação pastoral se entendem não apenas as atividades religiosas, como orações e celebrações, e administrativas, próprias da organização eclesiástica, mas também aquelas que se preocupam fundamentalmente com a organização da vida das pessoas e das sociedades. Têm lugar, então, os grupos pastorais que atuam junto ao mundo do trabalho, da cultura, da política e assim sucessivamente. A pastoral é entendida como a ação do pastor, cuja função é cuidar do rebanho. Não é o rebanho que existe em função do pastor, nem é função do rebanho cuidar do bem-estar do pastor. Ao contrário, é o pastor que existe em função do rebanho e deve dele cuidar. A Igreja vê sua ação como a de cuidado com o mundo, com as pessoas que o integram. É nesse sentido que ela é servidora do mundo e lhe anuncia e testemunha a salvação.
As preocupações com as situações concretas vividas pelos povos passam a figurar na agenda da ação pastoral. A paz, o desenvolvimento dos povos, o estabelecimento da justiça entre as nações, as possibilidades com relação ao trabalho, à cultura e o acesso aos benefícios da sociedade são assuntos constantes nos documentos eclesiais e vivos nas preocupações dos pastores. A Igreja abre-se ao mundo, reconhecendo sua autonomia, a autonomia das realidades terrenas, e, por sua vez, o mundo aceita dialogar com a Igreja como uma interlocutora confiável. As preocupações sociais integram o horizonte de preocupações da Igreja, pois “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (GS 1).
Paulo VI, o papa que implementou as decisões conciliares, escreveu em 1974 importante documento sobre a ação evangelizadora da Igreja, a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. Ocorre que rapidamente houve queixas no sentido de que a Igreja estaria abandonando sua missão religiosa, anunciar o evangelho, e assumindo um discurso social que não lhe dizia respeito. O papa, então, lembra que “entre evangelização e promoção humana existem laços profundos”, de tal forma que não se pode pensar a evangelização como ação eclesial sem que as preocupações com a promoção humana lhe acompanhem. A preocupação fundamental da Igreja é com o ser humano, com todo homem e o homem todo, para dizer como o papa Paulo VI na EncíclicaPopulorum Progressio.
Foi nesse horizonte do Vaticano II que se organizou no Brasil a Campanha da Fraternidade, e atualmente os bispos lhe dão um conteúdo de alcance social, que relaciona a fé com a vida prática das pessoas e promove intensa campanha pela humanização das relações na sociedade. Neste ano de 2015, o tema é como que a compilação disso que até agora dissemos: “Fraternidade, Igreja e sociedade”; o lema, “Eu vim para servir”, lembra o compromisso do serviço dos discípulos de Cristo.
3. O papa Francisco
É convicção de todos que Francisco humanizou o papado. Seus gestos, palavras e preocupações mostram claramente o papa como um ser humano e, mais que isso, como alguém preocupado com as pessoas. Sua postura é intencional e nitidamente pastoral, e seu ensinamento precisa sempre ser entendido nessa direção. Trata-se do pastor que se preocupa com o rebanho, daí sua atenção às periferias existenciais, à prática da misericórdia, a uma Igreja que precisa sempre estar pronta a acolher, perdoar e curar feridas. Uma Igreja que não pode se satisfazer em si mesma, mas precisa missionariamente ir ao encontro do mundo, das pessoas e da sociedade, para ali anunciar e testemunhar o evangelho de Jesus, que Aparecida chamava de evangelho da dignidade humana.
A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, documento papal que fala sobre a nova evangelização e alude, propositalmente, aos dois documentos que trazem o ensinamento do Vaticano II sobre a ação eclesial,Gaudium et Spes e Evangelii Nuntiandi, tem um capítulo inteiro dedicado à dimensão social da evangelização. Francisco parece dar um passo além na compreensão da relação entre o anúncio da Igreja e a organização da sociedade. Não se trata de querer impor ao mundo um modelo social, como no período de cristandade. Nem se trata de discurso que quer acomodar a vivência eclesial às situações do mundo contemporâneo. E também não se trata de aceitar, passivamente, um distanciamento entre a Igreja e o mundo. Trata-se de retomar a postura conciliar da Igreja como servidora do mundo pelo anúncio e testemunho profético. Por isso, falando a cristãos, a Evangelii Gaudium afirma que a evangelização tem, mais que consequência, uma dimensão social.
O passo avante é importante. Não se vê simplesmente a ação social de promoção humana como consequência da ação evangelizadora da Igreja, algo que parece ser óbvio. Também não se diz que o trabalho da Igreja não tem nada a ver com a sociedade, como se fosse simplesmente anúncio de verdades e práticas religiosas, das quais a caridade seria como que uma derivação de perfeição. Francisco afirma que a ação social é uma dimensão da ação evangelizadora, de tal forma que não há evangelização sem promoção humana. Não se trata de consequência, mas de composição: a preocupação com a forma de organização da sociedade é componente do trabalho evangelizador. Afinal, lembra ele, não é apenas a pessoa que é salva pela ação de Deus, mas também suas relações (EG 178). Assim, a caridade é constitutiva da essência da Igreja e de sua missão (EG 179), de maneira que, mesmo no querigma, existe um conteúdo social, em forma de convivência e ajuda ao próximo (EG 177). E o papa ainda aponta dois lugares prioritários onde deve se manifestar de maneira decisiva a dimensão social da ação evangelizadora: a realidade de sofrimento dos pobres e a implementação da cultura do diálogo para a vivência da paz.
4. Opção pelos pobres
A opção pelos pobres é mais teológica que política ou sociológica (EG 198) e, por isso, Bento XVI já a caracterizava como implícita na fé cristológica (DAp 392). Trata-se de reconhecer, em primeiro lugar, a presença de Deus no meio dos pobres, onde ele se revela e oferece um caminho de salvação para toda a humanidade. Paulo já a afirmava como critério da fidelidade ao evangelho de Jesus (Gl 2,10), de tal forma que, sem ela, não há verdadeiramente evangelização (EG 199). Por isso, Francisco afirma sonhar com uma Igreja pobre para os pobres (EG 198).
Se, de um lado, não se pode apenas ter atenção à ortodoxia e se preocupar com eventuais erros doutrinais, por outro, a opção pelos pobres não se concretiza apenas em um ativismo expresso em programas de assistência ou promoção humana, mas também em uma presença solidária junto aos pobres (EG 199). É um estar ao seu lado, ser com os pobres, preocupar-se com sua realidade pessoal e humana, em espírito de comunhão e convivência. A Igreja não é alheia ao mundo dos pobres, e estes não podem ser estranhos na comunidade eclesial. O amor aos pobres é que diferencia a opção pelos pobres de qualquer outra prática ideológica, evitando sua instrumentalização (EG 199).
Ainda mais, a opção pelos pobres não se realiza apenas em ações de assistência em suas necessidades. Elas são necessárias e não podem ser esquecidas, mas não são suficientes. Porque não se trata apenas de alimentá-los ou proporcionar-lhes possibilidades de sobrevivência, mas sobretudo eliminar as desigualdades, a fim de que o mundo possa se constituir em ambiente onde o valor da pessoa humana seja privilegiado. “A dignidade da pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a política econômica” (EG 203), lembra o papa, e as causas da pobreza precisam ser atacadas para que a sociedade seja mais justa e humana (EG 202-206).
A ação cristã se transforma, por isso, em compromisso político que visa transformar não apenas o coração das pessoas, como se isso bastasse para transformar automaticamente as situações de injustiça no mundo. Deve-se transformar também as bases estruturais da sociedade, e por isso nenhuma comunidade cristã pode ficar alheia à realidade de vida dos pobres. Os discursos vazios, as práticas religiosas não comprometidas ou mesmo as simples críticas ao governo não dizem da qualidade da vida de fé da comunidade eclesial, mas sim seu efetivo compromisso com a realidade de vida dos pobres, em atitude de solidariedade (EG 207). Ou, para dizer em outras palavras, a comunidade cristã morre se não houver em seu interior efetivo compromisso com a vida daqueles que são os últimos da sociedade.
5. Cultura do diálogo
A paz é fruto da justiça, já lembrava Paulo VI, e por isso ela não pode ser entendida como simples ausência de violência ou imposição de silêncio dos mais fortes sobre os mais fracos. Não é o modelo da Pax Romana que deve ser seguido, porque isso não significa verdadeira paz (EG 218). Esta se baseia no respeito à dignidade das pessoas, aos direitos humanos e aos direitos dos povos. Não se deve escamotear os conflitos, mas enfrentá-los com serenidade para que eles possam ser superados.
Por isso Francisco lembra que o estabelecimento da paz não se faz simplesmente na interioridade das pessoas ou no nível interpessoal. Deve-se atingir um nível mais amplo e profundo, aquele da formação da sociedade e da convivência entre os povos. Uma sociedade ou povo não se constitui por simples aglomeração de pessoas, mas por relações estabelecidas entre elas e governadas por princípios que valorizam o bem comum, segundo os ensinamentos da Doutrina Social da Igreja. Por isso o papa ensina que “o tempo é superior ao espaço” (223-225), o que permite pensar a construção social a longo prazo sem a obsessão de resultados imediatos. Ensina ainda que os conflitos não podem ser ocultados, mas “a unidade prevalece sobre o conflito” (EG 226-230), ou seja, em vez da tentativa de impor sobre os outros a solução do grupo que se quer vitorioso, o princípio da unidade exige uma capacidade de convivência na diferença como proposta de solidariedade.
Além disso, “a realidade é mais importante que a ideia” (EG 231-233), isto é, o pensamento está a serviço da compreensão da realidade e não pode ocultá-la, como acontece com “os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os nominalismos declaracionistas, os projetos mais formais que reais, os fundamentalismos anti-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria” (EG 231). Finalmente, Francisco lembra que “o todo é superior à parte” (EG 234-237), com a proeminência do bem comum sobre os possíveis benefícios particulares, sabendo que se deve trabalhar naquilo que é local e particular, mas com perspectiva ampla de universalização e de totalidade.
Estes são princípios que norteiam o diálogo social e, ademais, o trabalho de evangelização. Não se constrói a paz sem a cultura do diálogo. Para a ação eclesial propriamente dita, ele aponta três campos imprescindíveis na atualidade: o diálogo com os Estados, com a sociedade e com os que não são católicos (EG 238). Nesse diálogo, a Igreja fala a partir de seu lugar específico, o da experiência da fé, sem se apresentar como portadora de soluções para todas as questões da humanidade. Ela participa deste encontro com sua história e sua experiência, juntando-se a outras forças sociais e acompanhando as propostas que melhor se apresentam no momento, lembrando sempre a permanência dos princípios da dignidade humana e do bem comum (EG 139).
A postura dialogal da Igreja é importante no contexto atual até para ela mesma, pois significa a superação da perspectiva de cristandade, na qual o religioso tem a solução para cada questão e a sociedade se organiza à luz de seus princípios ou definições. Hoje a sociedade é plural e, como a construção da paz não se faz por imposição, deve-se cultivar espaços de encontro e interação sobre os diferentes pontos de vista e propostas. A perspectiva é de diálogo amplo, que se estabelece com todos, com “a gente e sua cultura, e não com uma classe, uma fração, um grupo ou uma elite”, pois o que se busca não é a formação de “uma minoria esclarecida ou um grupo testemunhal […] mas um pacto social e cultural” (EG 239). O que se quer não é uma solução universal, já que ela será sempre parcial e contextualizada, nem uma apresentação de verdades conceituais que se querem impor por proselitismo, mas uma espécie de consenso que possibilite a convivência em paz, a fim de que se possa avançar na integração social de todos. Esse consenso será sempre limitado e provisório, precisando ser reconstruído pelo diálogo permanente estabelecido entre os diferentes.
Aqui se tem toda uma perspectiva diferente do que se constrói com o trabalho evangelizador. A nova evangelização não se resume à simples catequese, entendida como ensinamento de fórmulas doutrinais, ou à realização de celebrações ou momentos devocionais que emocionem ou atraiam multidões. É claro que tudo isso pode ser feito; contudo, o que se busca é a prática da fraternidade em vista do estabelecimento de uma sociedade de convivência, onde as diferenças sejam respeitadas e ninguém seja excluído, a começar pela integração dos pobres e dos sofredores.
6. Teologia latino-americana
É verdade que a Igreja da América Latina se caracteriza por uma preocupação social bastante pronunciada, e isso vem de longa data. As comunidades eclesiais de base, por exemplo, atuaram decididamente na participação política em vista da conquista de melhores condições de vida para a população. A Igreja no Brasil, como um todo, caminhou bastante nessa direção e a própria realização, a cada ano, da Campanha da Fraternidade é testemunha disso. Muito do que se conseguiu em avanço na sociedade brasileira, a começar pela conquista da redemocratização, contou com a participação dos cristãos e da Igreja. É verdade também que, de tempos para cá, a preocupação social cedeu lugar a outras práticas eclesiais, algumas mais preocupadas com certa interiorização do sentimento religioso. Em certo sentido, a Igreja preocupou-se mais em olhar para si mesma, seu interior e sua organização, do que para seu lugar na sociedade e a realidade do mundo que a cerca.
O papa Francisco parece indicar o caminho da retomada das preocupações sociais. É verdade que a sociedade mudou bastante nos últimos anos e o discurso teológico-pastoral de décadas passadas não pode simplesmente ser aplicado na atualidade. A teologia tem consciência disso e por isso avançou nos últimos anos, também aquela que leva o nome de teologia latino-americana. O discurso foi atualizado, mas permaneceu a preocupação com os pobres e com a organização de uma sociedade da qual todos possam participar. Não é de estranhar que o papa latino-americano retome as intuições e práticas fundamentais da Igreja do continente e as apresente, renovadas, a todos os cristãos.
 Fiel ao Vaticano II e à realidade dos pobres tal qual apresentada pela teologia da Igreja na América Latina, Francisco insiste no trabalho evangelizador que converta, além dos corações, as estruturas da sociedade em vista da concretização do Reino de Deus. O discípulo missionário de Jesus Cristo, lembra o papa, não se satisfaz em viver sua fé apenas em comportamentos religiosos, mas vai além, traduzindo nos atos cotidianos a convicção de que o Reino de Deus está presente no mundo e se pode viver em sua dinâmica por meio da solidariedade com os pobres e o fortalecimento dos laços de fraternidade entre todos, em um relacionamento novo que permita o respeito às diferenças, aos direitos humanos e à integridade da criação.
7. Igreja e sociedade
A fé cristã não pode ser reduzida ao domínio privado da vida. Aliás, lembra Francisco, nenhuma convicção religiosa pode sê-lo. Se a sociedade atual é plural, também no aspecto religioso, isso não significa a “privatização das religiões, com a pretensão de reduzi-las ao silêncio e à obscuridade da consciência de cada um ou à sua marginalização no recinto fechado das igrejas, sinagogas ou mesquitas” (EG 255). O diálogo ecumênico e inter-religioso não se esgota no respeito às diferentes formulações doutrinais, mas alcança propostas que visam ao estabelecimento da paz no espaço público. O respeito devido a quem não crê não pode se impor arbitrariamente, silenciando as convicções religiosas de quem crê. Afinal, a religião não visa preparar o crente apenas para viver no outro mundo, mas também para viver neste mundo, transformando-o em outro, onde reine a justiça, a tolerância e a fraternidade. Este parece ser o ponto central do ensinamento de Francisco, o qual a Campanha da Fraternidade pode aprofundar, no sentido de perceber a função social da religião e, mais que isso, a dimensão social do trabalho de evangelização.
A fé não se reduz ao privado, pois comporta implicações sociais. A convicção da fé cristã pode, ou deve, levar o crente à manifestação mais contraditória da mística do amor ao próximo: a da prática política, própria do discípulo missionário de Jesus Cristo. Afinal, a pregação da Igreja é bem mais que o anúncio de algumas verdades religiosas, pois é o anúncio da chegada do Reino de Deus. A Igreja não se anuncia a si mesma nem tem um fim em si mesma, mas está a serviço do Reino, exatamente como Jesus fez durante sua vida. Trata-se de anunciá-lo e fazê-lo acontecer, sem resumir a fé ao culto ou à oração, mas envolvendo-os no compromisso com uma nova sociedade, mais humana e solidária. Afinal, o Reino de Deus realiza-se em novas relações: de filiação estabelecida com Deus e de fraternidade estabelecida entre as pessoas.
Não deixa de ser curioso notar certas tendências culturais atuais, algumas às quais se adere rápido demais, como as do racionalismo ou de um laicismo exagerado, que não aceitam a afirmação da dimensão social da fé cristã. Há também tendências eclesiais que agem assim, como o conservadorismo, que quer guardar a fé no domínio do privado, sem aceitar suas implicações sociopolíticas. Lembram que na sociedade há quem não crê e, por isso, não se pode impor-lhes convicções religiosas ou derivadas da religião; ou então lembram o caráter confessional da teologia e a prática de fé como interiorização espiritual. Não é sem interesse notar que o discurso religioso conservador se liga a um discurso social dito progressista, talvez porque a ideologia dominante de ambos seja a mesma, a de guardar os benefícios da sociedade para aqueles que a dominam, evitando a partilha dos bens sociais. É preciso aqui recuperar o caráter profético do anúncio do Reino e da proclamação da fé, também para denunciar os interesses que se escondem atrás de belos e elaborados discursos, até porque faz parte do trabalho de evangelização a denúncia das idolatrias. Francisco, aliás, denuncia também as novas idolatrias que fundamentam o sistema social atual (EG 55-56), combatendo-as para que se possa construir uma sociedade humana.
O trabalho de evangelização não quer apenas repetir o que já foi feito como proclamação de verdades doutrinais. Deve-se proclamar, sim, a chegada do Reino de Deus e caracterizá-lo como o fez Jesus, como novas relações estabelecidas entre todos, pois todos são irmãos e filhos de Deus. A proclamação da chegada do Reino não isenta a Igreja do envolvimento na construção de uma nova sociedade, de um mundo novo onde todos possam ser integrados, a começar pelos últimos. Por isso, a proclamação da dignidade de toda pessoa humana, do estabelecimento da justiça nas relações sociais e da necessária construção da paz no respeito a todos é parte integrante do trabalho eclesial em seu serviço ao mundo, realizado em espírito de diálogo e como contribuição para o desenvolvimento dos povos.
Bibliografia
FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 24 nov. 2013.
PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, 8 dez. 1975.
PAULO VI. Carta Encíclica Populorum Progressio, 26 mar. 1967.
VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 7 dez. 1975.

Antonio Manzatto

Presbítero da Arquidiocese de São Paulo, doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina (1993) e professor titular da Faculdade de Teologia da PUC-SP. E-mail: amanzatto@pucsp.br


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