sábado, 28 de junho de 2014

As dez demandas institucionais do PNE


Embora seja extenso, não seria possível abarcar no texto do Plano Nacional de Educação todos os pactos e ferramentas de gestão necessárias para o cumprimento de suas metas e estratégias. A tradição parlamentar brasileira ensina que é prudente uma lei agendar outras. Para ficar em um exemplo, esse procedimento foi bem sucedido no caso da Lei do Piso do Magistério, demandada pela Lei do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação). No caso do PNE, há dez demandas complementares e urgentes:

1) a elaboração dos planos estaduais e municiais de educação, a serem aprovados em até um ano após a publicação da Lei do PNE, garantindo obrigatoriamente a participação da sociedade civil nos processos de construção dessas leis educacionais subnacionais (art. 8°).

2) a produção de relatórios bienais sobre o cumprimento das metas e estratégias do PNE, sob responsabilidade do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), como órgão oficial de análises acerca da política de educação (art. 5º, parágrafo 2º.);

3) a criação de uma instância permanente de negociação e cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e municípios (art. 7º, parágrafo 5º);

4) o estabelecimento de leis específicas para a gestão democrática da educação pública em cada sistema público de ensino, a serem aprovadas em até dois anos após a publicação da Lei do PNE (art. 9°);

5) a criação do Sinaeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), demanda histórica da sociedade civil, proposto como emenda ao PNE pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pelo Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade). O objetivo do Sinaeb é superar o atual modelo de avaliação, exclusivamente centrado em testes padronizados de aprendizagem (art. 11);

6) a implementação do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) em até dois anos após a publicação da Lei do PNE. O CAQi é um mecanismo elaborado desde 2002 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e normatizado pelo Conselho Nacional de Educação em 2010. Ele materializa o padrão mínimo de qualidade do ensino (Estratégia 20.6).

7) a instituição de uma Lei para garantir a complementação do Governo Federal ao CAQi e, posteriormente, ao CAQ (Custo Aluno-Qualidade), instrumento que avança em relação ao padrão mínimo de qualidade, determinado pelo CAQi (Estratégia 20.10);

8) a pactuação da base nacional comum curricular que deverá ser instituída por meio de um acordo entre União, Estados, Distrito Federal e municípios, tanto para o ensino fundamental (Estratégia 2.2) como para o ensino médio (3.3);

9) a confecção da Lei de Responsabilidade Educacional, que deverá ser aprovada no prazo de um ano após o início da implementação do PNE (Estratégia 20.11);


10) por último, a instituição do Sistema Nacional de Educação, um guarda-chuva para todas as outras nove tarefas acima dispostas, a ser estabelecido em lei específica, em até dois anos após a publicação da Lei do PNE (art. 13 e Estratégia 20.9).

quinta-feira, 5 de junho de 2014

BATATA INGLESA OU ANDINA?


Fernando Antonio Reis Filgueira, M.Sc., Dr. - Professor de Olericultura e Coordenador de Agronomia na Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de Ipameri - GO - 330, Km 241, s/n Anel Viário Ipameri, GO, Cep. 75780-000
1.    DOS ANDES PARA O MUNDO

Quando os conquistadores espanhóis invadiram o Império Inca em busca de riquezas, ao final do século XVI, jamais poderiam imaginar que levariam para a Europa e o resto do mundo um bem muito mais precioso: a batata andina. Esta foi disseminada pelos navegadores espanhóis e ingleses para as colônias – origem da denominação de “batata inglesa”. Entretanto, foram os incas e outros povos indígenas que, durante oito milênios, desenvolveram a bataticultura, utilizando espécies andinas. Técnicas eficientes de produção tornaram a batata o principal produto agrícola, bem como a base da alimentação na Civilização Inca. Assim, foram selecionados tipos variados para os diversos usos na alimentação, alguns ainda hoje encontrados em países andinos.
Na Região Andina há mais de duas centenas de espécies silvestres tuberíferas, além de dez ou mais espécies cultivadas, sendo a batata que tornou-se cosmopolita uma dessas. Entretanto, os espanhóis
levaram para a Espanha, em 1570, uma única espécie: Solanum tuberosum ssp. andigena; há relatos de uma segunda introdução, em 1590, na Inglaterra. Contudo, somente cerca de 200 anos após, a batata tornou-se um alimento básico na Europa, sendo, a partir de então, introduzida em todos os
continentes. Para europeus, norteamericanos e latino-americanos, exceto os brasileiros, a batata constitui a base da dieta alimentar diária; em outros países, como no Brasil, é utilizada em menor escala, como hortaliça.
A batateira é originária da região próxima ao equador terrestre, nas proximidades do lago Titicaca, próximo à fronteira entre Peru e Bolívia. Nessa região, dias e noites têm duração igual, de 12 horas ao longo do ano. Entretanto os europeus adaptaram a cultura para fotoperíodos longos de 16 até 18 horas, sendo que as plantas que não tuberizaram foram eliminadas. Assim, com o tempo, ocorreu a adaptação aos dias longos do verão europeu, que foi completada no início do século XIX. Paralelamente houve acentuada erosão
genética, perdendo-se preciosos genes responsáveis pela resistência a doenças e pragas – razão da elevada suscetibilidade das cultivares européias.
Portanto, as cultivares européias pertencem à espécie hoje cosmopolita Solanum tuberosum ssp. uberosum originária da subespécie andigena, após a adaptação às condições da Europa. Tais condições favorecem a produtividade, em culturas de primavera-verão, sob dias acentuadamente longos, seguindo-se um inverno rigoroso, o que limita a sobrevivência de fitopatógenos e insetospragas. Contrariamente, nos novos nichos ecológicos conquistados, as cultivares européias não manifestam adaptação ótima, resultando em que a cultura apresenta produtividade elevada e custo reduzido, na Europa, e produtividade menor, a um custo mais elevado, em regiões tropicais.
Nada mais simbólico da origem andina da batata do que a prece cerimonial pela safra, em tempos pré-colombianos, quando o Filho do Sol reunia os representantes das províncias do imenso Império Inca na capital Cuzco. Essa oração foi traduzida da língua original para o espanhol pelo agrônomo Marcos
Reinstein, sendo aqui apresentada em português, incluída como homenagem aos indígenas andinos – os primeiros bataticultores.
“Ó Criador! Senhor dos confins do mundo, misericordioso, que dás vida às coisas e que neste mundo criastes os homens para que comessem e bebessem, multiplicai os frutos da terra, as batatas e os demais alimentos que criastes, multiplicai-os para que os homens não padeçam de fome nem de miséria, para que todos se criem, não haja geada nem granizo; guardai-os em paz e a salvo!”

2.    A BATATICULTURA BRASILEIRA

No Brasil, a batata se destaca como a cultura olerácea de maior relevância econômica para o País – cerca de 140 mil hectares/ano e quase 3 milhões de toneladas, em 2004. Contudo, muito há que fazer para a expansão e o aprimoramento dessa cultura, o que envolve empresários rurais e autoridades.
São utilizadas cultivares européias, predominantemente, as quais vêm sendo introduzidas a partir da década de 1940. Contudo, poucas delas permanecem em cultivo ao longo do tempo, sendo uma exceção a cultivar holandesa Bintje. Assim, ao invés de utilizar o rico germoplasma andino para a criação de cultivares melhor adaptadas às condições tropicais, incluindo resistência a doenças e pragas, são utilizadas cultivares desenvolvidas para as condições européias. Estas são plantadas sob fotoperíodos de 11 a 13 horas, no centro-sul, portanto em condições diferenciadas em relação à Europa. Por outro lado, é muito menor a área plantada com as poucas cultivares nacionais disponíveis. Assim, devido à utilização de cultivares pouco adaptadas às condições edafoclimáticas brasileiras, não é de se admirar que a média brasileira de produtividade seja de pouco mais que 20 t/ha, enquanto que países europeus, mais avançados na cultura, apresentem média superior a 40 t/ha. Inclusive a produtividade potencial da cultura atinge 100 t/ha, segundo pesquisadores, sendo obtida por produtores norte-americanos.
A bataticultura vem se desenvolvendo em regiões climaticamente mais propícias, em Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, também em Goiás, Distrito Federal e Bahia, mais recentemente, quer seja pela altitude ou pela latitude favoráveis. No Brasil, o calor é o fator climático limitante, sendo que a cultura prospera melhor quando há cerca de 10 graus Celsius de diferença entre a média das temperaturas diurnas e noturnas, sendo ideais 25 e 15 graus, respectivamente. Além dos aspectos agronômicos, notadamente a elevada incidência de doenças e pragas e a exigência de adubação mineral pesada, o custo de produção é um dos mais elevados do mundo: de três a cinco mil dólares por hectare. Assim a produção nacional perde em competitividade com outros países, resultando em que produtos industrializados de batata, principalmente, sejam importados. Além disso, impede que a batata-consumo brasileira se torne um artigo de exportação, ao lado da soja e do algodão, por exemplo.
Embora considerada a quarta fonte alimentar da humanidade, situando-se logo após o arroz, o trigo e o milho, a batata não constitui um alimento básico para os brasileiros. Assim, enquanto há países europeus nos quais o consumo anual médio por pessoa ultrapassa 100 kg, no Brasil não atinge 15 kg. Uma das razões para esse baixo consumo é o preço elevado pago pelo consumidor, decorrente do custo elevado de produção no campo e por deficiências no abastecimento e na comercialização.
Seguramente, em se tornando disponíveis cultivares, nacionais ou importadas, melhor adaptadas, mais produtivas e mais resistentes aos fatores deletérios (bióticos ou abióticos) ocorrerá a desejável evolução da cultura, a exemplo do que vem ocorrendo com soja, algodão e outras culturas. E a resposta para esse problema é simples e complexa ao mesmo tempo: o fitomelhoramento genético.

3.    O FITOMELHORAMENTO GENÉTICO

Uma cultivar de batata é uma coleção de plantas genotipicamente idênticas, literalmente, originárias da propagação vegetativa de uma única planta matriz. Ao longo do tempo, a identidade genotípica das plantas será mantida, geralmente.
Entretanto, o comportamento de uma cultivar em um determinado ambiente será a resultante do exclusivo efeito genotípico, do efeito ambiental e da interação entre ambos, razão pela qual uma cultivar em ambientes diversificados sofre interação com os mesmos, resultando em comportamento agronômico diferenciado.
Por essa razão, uma cultivar desenvolvida para condições edafoclimáticas européias, provavelmente, não manifestará todo o seu potencial nas condições brasileiras. A solução para os problemas agronômicos envolve a criação de cultivares melhor adaptadas às condições de clima e solo das regiões produtoras, inclusive resistência às doenças e pragas. Lamentavelmente, enquanto que um país como a Holanda se empenha na criação de cultivares melhoradas e produção de batata-semente, há muitas décadas, os
esforços nesse sentido são tímidos, por aqui. Não se nota – e venho acompanhando o problema há 44 anos de atuação como agrônomo – empenho governamental no sentido do aprimoramento da bataticultura. Assim é que são pouquíssimos os agrônomos atuando nas instituições oficiais com melhoramento genético de batata – uma atividade que ainda não atraiu a iniciativa particular. Apenas um punhado de pesquisadores abnegados vem atuando com fitomelhormento em instituições oficiais localizadas em Pelotas, Campinas, Brasília, Lavras e em poucas outras localidades, com severas restrições de verbas, instalações, equipamentos e pessoal habilitado. Numa época em que tanto se fala em “parceria-público-privada” uma parceria de relevante interesse seria entre entidades oficiais brasileiras, como a EMBRAPA, e organizações oficiais e particulares européias, notadamente de países com tradição no melhoramento genético da batata e tradicionais fornecedores de batata-semente. Há que considerar também o Peru – pátria de origem da batata – e que abriga o “Centro Internacional de la Papa” – notável instituição responsável pela coleta e preservação do precioso germoplasma andino. Essa organização se dispõe, inclusive, a auxiliar países que pretendam desenvolver o melhoramento genético da batata.
As características ideais de uma cultivar para mesa seriam as seguintes, na opinião de pesquisadores e bataticultores consultados: · Ciclo em torno de 100 dias até o secamento natural das plantas, permitindo dois plantios ao ano utilizando-se a batatasemente certificada introduzida e a “filha de caixa”, como opção;
· Planta vigorosa e produtiva capaz de cobrir rapidamente o solo, competindo vantajosamente com plantas invasoras; 
· Nível elevado de resistência às principais doenças fúngicas (notadamente, pintapreta e requeima), bacterioses e viroses; também ao nematóide-de-galha. 

· Ausência ou resistência a anomalias de origem fisiológica, especialmente, esverdecimento, embonecamento, coração-oco, rachadura e chocolate;

· Produtividade elevada (acima de 30 t/ ha), com alta incidência de tubérculos comerciáveis, exigindo menor aplicação de fertilizantes e defensivos, em relação às cultivares atualmente plantadas;

· Tubérculos de bom aspecto, com formato alongado, uniforme, película lisa, olhos superficiais e coloração amarelada (externa e interna) ou, película rosada e polpa branca, como nova opção para os consumidores;

· Boas propriedades culinárias no preparo doméstico, inclusive boa adequação ao preparo de batata-frita – forma mais popular de uso da batata;

· Curto período de dormência das gemas, viabilizando dois plantios ao ano a partir de batata-semente básica ou certificada introduzida, dispensando a indução artificial da brotação.
Utopia? Não creio. Inegavelmente, o que vem ocorrendo é o desinteresse das autoridades superiores pelos problemas enfrentados pelos bataticultores. Inegavelmente, além da falta de decisão política para enfrentá-los, há que também melhorar a organização do agronegócio da batata no Brasil. Seria ideal um Plano Nacional de Incentivo e Aprimoramento da Bataticultura, que englobasse ações efetivas de pesquisa, extensão rural, assistência técnica, crédito rural e também de ensino técnico e universitário.
E note-se que pesquisadores, professores e extensionistas de alto nível existem no país, mas falta-lhes maiores oportunidades de trabalho. Organizações de bataticultores existem, e algumas são bem atuantes,
como a Associação Brasileira da Batata (ABBA), que vem envidando esforços no sentido do aprimoramento não apenas da produção, mas também da comercialização e industrialização da batata. Contudo, muito ainda necessita ser feito, o que implica em entrosar entidades públicas e privadas, no processo.

4.    CONCLUSÃO

Elevado potencial para a bataticultura, em termos edafoclimáticos, quer seja nas regiões meridionais ou naquelas de altitude no centro-sul e no nordeste existe, sendo ainda precariamente aproveitado. Com a introdução de novas cultivares melhor adaptadas, racionalização no uso da adubação, na aplicação de defensivos e na irrigação certamente correrá aumento na eficiência agronômica e econômica do agronegócio da baticultura. Há razões ponderáveis para se acreditar no potencial da cultura, de modo que a produção do tubérculo andino seja aprimorada. Como conseqüência, a batata poderá vir a ocupar um lugar proeminente na alimentação popular. E não apenas a batata para preparo culinário doméstico, mas também os produtos industrializados, deverão popularizar-se ainda mais, com inegáveis benefícios também de ordem nutricional.

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