RESENHA da obra A reprodução: Elementos para uma
teoria do sistema de ensino Pierre BOURDIEU; Jean-Claude PASSERON, A
reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino, (Tradução: Reynaldo
Bairão e revisada por Pedro Benjamin Garcia e Ana Maria Baeta), Ed. Vozes 2ª
edição 2009, 266 pp.
Bourdieu é filósofo e Passeron é
sociólogo, e ambos lecionavam na École de Sociologie du Collège de France,
instituição que o consagrou como um dos maiores intelectuais de seu tempo.
Bourdieu e Passeron trabalhavam com as idéias de três pensadores que são
considerados fundadores modernos da sociologia: E. Durkheim, Max Weber e Karl
Marx. Os autores estão profundamente ligados à concepção do marxismo,
capitalismo, luta de classes, entre outros. E Bourdieu discorre em sua obra “A
Reprodução” alguns desses temas, principalmente o capitalismo e as classes
sociais geradas pelo sistema. Existia na obra de E. Durkheim certa ambição em
unificar os saberes das ciências humanas em torno da sociologia, e seguindo
essa linha Bourdieu em suas obras faz uma síntese interativa entre o modelo de
Durkheim e o estruturalismo, ao qual se conecta com a sociologia de Durkheim
para desvendar o peso das estruturas sociais por trás das ações dos sujeitos,
subentende-se aqui nessa extensão radical do modelo de Durkheim que os
indivíduos estão submetidos ao controle das estruturas da sociedade. Para
Bourdieu, a junção das teorias de Durkheim e do estruturalismo permite
demonstrar como os indivíduos, em sua ação, apenas reproduzem os ditames
determinados pela estrutura social vigente. Em 1970 Bourdieu e Passeron em
parceria lançaram o livro “A REPRODUÇÃO”, ao qual defendem que toda ação
pedagógica é, objetivamente, uma ação simbólica. Devem-se explicitar aqui os
conceitos de violência simbólica, ao qual se define como imposição arbitraria
que é apresentado àquele que sofre a violência de modo disfarçado e que oculta
às relações de força que estão no topo da pirâmide do poder. Partindo-se desse principio
a ação pedagógica, portanto é uma violência simbólica, pois é imposta por um
poder arbitrário que eles chamam de arbítrio cultural. Bourdieu e Passeron
viveram no século XX e iniciaram suas obras numa época de transição entre o
período de guerras da primeira metade do século XX e o período das revoluções
comportamentais e tecnológicas da segunda metade. Esta obra é composta de duas
partes de acordo com a problemática elaborada pelos autores; I- Fundamentos de
uma teoria da violência simbólica, e a segunda parte II- A manutenção da ordem.
Bourdieu e Passeron identificam e
analisam profundamente a desigualdade na sociedade, não de forma genérica, mas
nua e crua, e com todos os detalhes e motivos. Ele fala sobre ações e reações
sociais de uma forma bem objetiva, sem rodeios. Na obra “A Reprodução” eles
falam sobre a desigualdade de classes e a relacionam com a probabilidade de
êxito em todos os campos da vida. Em suma, ele fala que o sistema elimina os
fracos e não se preocupa mais em resgatá-los, não tem interesse algum em
integra-los á sociedade, pois eles já passaram pelo que Bourdieu chama de
estrutura de oportunidades. E ele insere a critica, falando que essa estrutura
de oportunidades é extremamente desigual, e que a desigualdade existe, persiste
e é legitimada quando os indivíduos passam a reproduzir a mesma, como num
ciclo. Os autores trazem uma reflexão profunda sobre o sistema de ensino em
vigor. Na época, eles escreveram sobre as universidades na França, mas lendo a
obra você acredita e identifica situações que ainda ocorrem no nosso sistema
atual, aqui no Brasil. Além da reflexão sobre a desigualdade do sistema de
ensino, de conteúdos, de probabilidades de êxito escolar e profissional, os
autores falam sobre ‘o exame’ no capítulo 3. E eles desenvolvem o tema,
relacionando-o diretamente às estruturas de legitimação da desigualdade e
descrevendo-o como uma ferramenta, um meio para que as desigualdades ocorram.
Ele é ao mesmo tempo: a avaliação, a seleção, a probabilidade, o êxito e a
exclusão do indivíduo.
A obra analisa e critica o modo
de ver e pensar da escola francesa, e também define a mesma como “o espaço da
reprodução social e um eficiente domínio de legitimação das desigualdades”. A
escola é vista pelos autores como um local, uma instituição que reproduz a
sociedade e seus valores e que efetiva e legaliza as desigualdades em todos os
aspectos, pois é na escola que o legado econômico da família transforma-se em
capital cultural.
Nos dois primeiros capítulos, os
autores defendem a ideia de que a escola não é neutra, não é justa, não promove
a igualdade de oportunidades, e também não transmite da mesma forma
determinados conhecimentos, pois é a cultura da classe dominante, ideia essa
oriunda da luta de classes do marxismo. A escola, ao tratar de maneira igual
tanto em direitos quanto em deveres aqueles que são diferentes socialmente,
acaba privilegiando os que por sua herança cultural já são privilegiados.
O terceiro capítulo da obra,
chamado “eliminação e seleção”, descreve de forma crítica e analítica o exame
na estrutura de ensino, sobretudo francês. É a partir deste pensamento que os
autores começam a caracterizar o exame como um instrumento de seleção,
classificação, e também a mostrar seu peso e valor no ambiente escolar. Para
Bourdieu e Passeron, o exame estabelece uma definição social do conhecimento e
da maneira de mostra-los, ou seja, padroniza respostas e reações relacionadas a
determinados conteúdos e limita de certa forma, o conhecimento e as capacidades
adquiridas e desenvolvidas ao longo dos anos. A escola utiliza o exame para
selecionar os indivíduos tecnicamente mais competentes e os classifica desde os
primeiros anos de vida escolar, colocando-os sob o status de nobreza escolar.
Já aqueles originários de classes populares, muitas vezes são eliminados do
sistema antes mesmo de serem examinados e avaliados, o que demonstra o quanto
as desigualdades são poderosas e influentes no ingresso e êxito escolar do
indivíduo.
Nesse ponto, os autores utilizam
os termos “probabilidade de passagem e probabilidade de êxito”, para destacar o
quanto as diferenças culturais podem agir na vida e no sucesso escolar de
determinada pessoa. Aqueles que vieram ou passaram por uma estrutura social
pobre em condições básicas de sobrevivência e informação de qualidade, tem
chances menores de obter êxito escolar e ingressar no ensino superior. É uma
visão cruel dos fatos tão bem discorrida pelos autores e presentes na realidade
desigual do sistema de ensino brasileiro. Os que conseguem ultrapassar essa
linha divisória rigorosa tendem a começar a reproduzir tudo aquilo que
aprenderam no sistema social em que estavam inseridos e acabam, muitas vezes,
recebendo o diploma sem ter desenvolvido as competências básicas exigidas pelo
sistema escolar. O exame não pode ser reduzido a apenas um serviço ou uma
prática escolar, pois ele determina a vida do sujeito em todos os aspectos, e
sua extrema valorização é resultado do sistema de oportunidades em que a
sociedade moderna está baseada. Uma falsa estrutura de igualdade social regida
pela hierarquia dos êxitos escolares. Essa é uma critica sempre presente no
decorrer dos capítulos da reprodução. Tal sistema de oportunidades é exposto
pelos autores assim: “Eis porque a estrutura das oportunidades objetivas da
ascensão pela Escola condiciona as disposições relativamente à Escola e à
ascensão pela Escola, disposições que contribuem por sua vez de uma maneira
determinante para definir as oportunidades de ter acesso à Escola, de aderir às
suas normas e de nela ter êxito, e, por conseguinte as oportunidades de
ascensão social”. (BOURDIEU E PASSERON, 1970 p. 190).
Como se percebe, os autores
caracterizam a Escola e sua estrutura como uma oportunidade de ascensão social,
ou um meio, um caminho para isso, e esse pensamento é decorrente da
democratização do ensino e da elevação de diplomados com o tempo, que leva a
escola a substituir progressivamente as desigualdades de acesso ao ensino pelas
desigualdades de currículos para manter sua função social de reprodutora
social. Com isso, pode-se observar que as escolhas de cursos e instituições de
ensino passam a ser fortemente dependentes do poder e repletas de valores
atribuídos socialmente graças ao capital e poder simbólico das instituições,
agentes escolares e seus usuários. Neste âmbito, o que é valorizado não se
restringe a apenas o quanto o indivíduo sabe ou estudou sobre determinado
assunto, mas também onde e qual curso prestigiado pela sociedade cursou,
efetivando mais uma vez as desigualdades, agora, de currículos. Desta maneira, a
partir deste capítulo e da obra como um todo, Bourdieu e Passeron foram
capazes, de demonstrar que as características sociais, culturais e políticas do
sistema educacional francês, de fato, reproduziram as hierarquias existentes e
as formas de dominação social, assim revelando o esvaziamento real das noções
de igualdade propagadas por um sistema que seria democrático, e que a todos
ofereceria tais oportunidades.
Por isso, o conceito de
reprodução, na obra destes autores, é igualmente decisivo, pois permite
compreender porque os indivíduos, envolvidos nos discursos e nas ideologias
dominantes, contudo os autores acreditam que as chances existam para todos
quando, de fato, as estruturas existentes e as práticas sociais que permeiam a
estrutura social, ao contrário, apenas reproduzem a situação atual da
sociedade, e o exame é um instrumento claro de perpetuação da contraposição
entre igualdades e desigualdades no âmbito social.
O que podemos notar nessa obra é
a sua atualidade, e sua contextualização com o sistema de ensino brasileiro, a
sua ação pedagógica, a noção de classes vinda de Marx, sua objeção ao
capitalismo consumista, sua realidade social e política tão bem exporta pelos
autores, mostrando sem rodeios, à dura e cruel realidade da maioria dos sistemas
de ensinos institucionais, com a realidade vivida pelas massas populares mais
carentes. Lendo Bourdieu e Passeron percebe-se o quanto somos tratados como
indigentes pelos poderes que regem a tão valorizada democracia, e o quanto
temos que lutar contra essa agressão simbólica exercida pelas autoridades, e
criar uma mente independente e criativa, ponderando com a realidade vivida e
uma chance de crescimentos dentro de uma instituição acadêmica. Vamos á lutar
pela igualdade, não essa que nos é apresentada como real, mas uma que
ultrapasse os limites dessa dura realidade politica e social ao qual vivemos.
Vamos colocar em pratica o que Marx pretendia: Uma revolução proletária, que
poderá mudar o nosso rumo diante de perspectivas incertas e arbitrárias.
ELSON CASSIANO SOBRINHO Graduando de História 3º
periodo