quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Participação Social, o novo fantasma das elites

Ladislau Dowbor
Adital

Reação feroz dos conservadores ao decreto de Dilma revela incapacidade de compreender sociedades atuais e interesse de manter política como monopólio dos "representantes”
O texto na nossa Constituição é claro, e se trata nada menos do que do fundamento da democracia: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Está logo no artigo 1º, e garante portanto a participação cidadã através de representantes ou diretamente. Ver na aplicação deste artigo, por um presidente eleito, e que jurou defender a Constituição, um atentado à democracia não pode ser ignorância: é vulgar defesa de interesses elitistas por quem detesta ver cidadãos se imiscuindo na política. Preferem se entender com representantes.
A democracia participativa em nenhum lugar substituiu a democracia representativa. São duas dimensões de exercício da gestão pública. A verdade é que todos os partidos, de todos os horizontes, sempre convocaram nos seus discursos a que população participe, apoie, critique, fiscalize, exerça os seus direitos cidadãos. Mas quando um governo eleito gera espaços institucionais para que a população possa participar efetivamente, de maneira organizada, os agrupamentos da direita invertem o discurso.
É útil lembrar aqui as manifestações de junho do ano passado. As multidões que manifestaram buscavam mais quantidade e qualidade em mobilidade urbana, saúde, educação e semelhantes. Saíram às ruas justamente porque as instâncias representativas não constituíam veículo suficiente de transmissão das necessidades da população para a máquina pública nos seus diversos níveis. Em outros termos, faltavam correias de transmissão entre as necessidades da população e os processos decisórios.
Os resultados foram que se construíram viadutos e outras infraestruturas para carros, desleixando o transporte coletivo de massa e paralisando as cidades. Uma Sabesp vende água, o que rende dinheiro, mas não investe em esgotos e tratamento, pois é custo, e o resultado é uma cidade rica como São Paulo que vive rodeada de esgotos a céu aberto, gerando contaminação a cada enchente. Esta dinâmica pode ser encontrada em cada cidade do país onde são algumas empreiteiras e especuladores imobiliários que mandam na política tradicional, priorizando o lucro corporativo em vez de buscar o bem estar da população.
Participação funciona. Nada como criar espaços para que seja ouvida a população, se queremos ser eficientes. Ninguém melhor do que um residente de um bairro para saber quais ruas se enchem de lama quando chove. As horas que as pessoas passam no ponto de ônibus e no trânsito diariamente as levam a engolir a revolta, ou sair indignadas às ruas. Mas o que as pessoas necessitam é justamente ter canais de expressão das suas prioridades, em vez de ver nos jornais e na televisão a inauguração de mais um viaduto. Trata-se aqui, ao gerar canais de participação, de aproximar o uso dos recursos públicos das necessidades reais da população. Inaugurar viaduto permite belas imagens; saneamento básico e tratamento de esgotos muito menos.
Mas se para muitos, e em particular para a grande mídia, trata-se de uma defesa deslavada da política de alcova, para muitos também se trata de uma incompreensão das próprias dinâmicas mais modernas de gestão pública.
Um ponto chave, é que o desenvolvimento que todos queremos está cada vez mais ligado à educação, saúde, mobilidade urbana, cultura, lazer e semelhantes. Quando as pessoas falam em crescimento da economia, ainda pensam em comércio, automóvel e semelhantes. A grande realidade é que o essencial dos processos produtivos se deslocou para as chamadas políticas sociais. O maior setor econômico dos Estados Unidos, para dar um exemplo, é a saúde, representando 18,1% do PIB. A totalidade dos setores industriais nos EUA emprega hoje menos de 10% da população ativa. Se somarmos saúde, educação, cultura, esporte, lazer, segurança e semelhantes, todos diretamente ligados ao bem estar da população, temos aqui o que é o principal vetor de desenvolvimento. Investir na população, no seu bem estar, na sua cultura e educação, é o que mais rende. Não é gasto, é investimento nas pessoas.
A característica destes setores dinâmicos da sociedade moderna é que são capilares, têm de chegar de maneira diferenciada a cada cidadão, a cada criança, a cada casa, a cada bairro. E de maneira diferenciada porque no agreste terá papel central a água; na metrópole, a mobilidade e a segurança e assim por diante. Aqui funciona mal a política centralizada e padronizada para todos: a flexibilidade e ajuste fino ao que as populações precisam e desejam são fundamentais, e isto exige políticas participativas. Produzir tênis pode ser feito em qualquer parte do mundo, coloca-se em contêiner e se despacha para o resto do mundo. Saúde, cultura, educação não são enlatados que se despacham. São formas densas de organização da sociedade.
Eu sou economista, e faço as contas. Entre outras contas, fizemos na Pós-Graduação em Administração da PUC-SP um estudo da Pastoral da Criança. É um gigante, mais de 450 mil pessoas, organizadas em rede, de maneira participativa e descentralizada. Conseguem reduzir radicalmente, nas regiões onde trabalham, tanto a mortalidade infantil como as hospitalizações. O custo total por criança é de 1,70 reais por mês. A revista Exame publica um estudo sobre esta Organização da Sociedade Civil (OSC), porque tenta entender como se consegue tantos resultados com tão poucos recursos. Não há provavelmente instituição mais competitiva, mais eficiente do que a Pastoral, se comparada com as grandes empresas, bancos ou planos privados de saúde. Cada real que chega a organizações deste tipo se multiplica.
A explicação desta eficiência é simples: cada mãe está interessada em que o seu filho não fique doente, e a mobilização deste interesse torna qualquer iniciativa muito mais produtiva. Gera-se uma parceria em que a política pública se apoia no interesse que a sociedade tem de assegurar os resultados que lhe interessam. A eficiência aqui não é porque se aplicou a última recomendação dos consultores em kai-ban, kai-zen, just-in-time, lean-and-mean, TQM e semelhantes, mas simplesmente porque se assegurou que os destinatários finais das políticas se apropriem do processo, controlem os resultados.
As organizações da sociedade civil têm as suas raízes nas comunidades onde residem, podem melhor dar expressão organizada às demandas, e sobre tudo tendem a assegurar a capilaridade das políticas públicas. Nos Estados Unidos, as OSCs da área da saúde administram grande parte dos projetos, simplesmente porque são mais eficientes. Não seriam mais eficientes para produzir automóveis ou represas hidroelétricas. Mas nas áreas sociais, no controle das políticas ambientais, no conjunto das atividades diretamente ligadas à qualidade do cotidiano, são simplesmente indispensáveis. O setor público tem tudo a ganhar com este tipo de parcerias. E fica até estranho os mesmos meios políticos e empresariais que tanto defendem as parceiras público-privadas (PPPs), ficarem tão indignados quando aparece a perspectiva de parcerias com as organizações sociais. O seu conceito de privado é muito estreito.
Eu, de certa forma graças aos militares, conheci muitas experiências pelo mundo afora, trabalhando nas Nações Unidas. Todos os países desenvolvidos têm ampla experiência, muito bem sucedida, de sistemas descentralizados e participativos, de conselhos comunitários e outras estruturas semelhantes. Isto não só torna as políticas mais eficientes, como gera transparência. É bom que tanto as instituições públicas como as empresas privadas que executam as políticas tenham de prestar contas. Democracia, transparência, participação e prestação de contas fazem bem para todos. Espalhar ódio em nome da democracia não ajuda nada.

Para os que querem deixar o Brasil

Leonardo Boff
Adital

É espantoso ler nos jornais e mensagens nas redes sociais e mesmo em inteiros youtubes a quantidade de pessoas, geralmente das classes altas ou os ditos "famosos” que lhes custa digerir a vitória eleitoral da reeleita Dilma Rousseff do PT. Externam ódio e raiva, usando palavras tiradas da escatologia (não da teológica que trata dos fins últimos do ser humano e do universo) e da baixa pornografia para insultar o povo brasileiro, especialmente, os nordestinos.
Estas pessoas não vivem no Brasil, mas, em geral, no Leblon e em Ipanema ou nos Jardins da cidade de São Paulo onde se albergam: em sua maioria, os pertencentes às classes opulentas (aquelas 5 mil famílias que, segundo M.Porchmann, detém 43% do PIB nacional). Muitas delas não se sentem povo brasileiro. Externam até vergonha. Mas estão aqui porque neste país é mais fácil enricar, embora o desfrute mesmo é em feito em Miami, Nova York, Paris ou Londres, pois muitos deles têm lá casas ou apartamentos.
Alguns mais exacerbados, mas com parquíssima audiência, sugerem até separar o Brasil em dois: o sudeste rico de um lado e o resto (para eles, o resto mesmo) do outro, especialmente o Nordeste.
Acresce a isso o Parlamento brasileiro, a maioria eleita com muito dinheiro, que mal representa o povo. Finge que escutou o clamor dos ruas em junho de 2013 demandando reformas, especialmente, na política, no sistema de educação e de saúde e uma melhor mobilidade urbana e não em último lugar a segurança e a transparência na coisa pública. Mas já esqueceu tudo. Rejeitou o projeto do governo, no rescaldo da reeleição, que visava ordenar e dar mais espaço à participação dos movimentos sociais na condução da política nacional, respeitadas as instituições consagradas pela Constituição.
Tal fato nos remete ao que Darcy Ribeiro diz em seu esplêndido livro que deveria ser lido em todas as escolas, "O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”(1995). Aí diz o grande antropólogo, indigenista, político e educador:”O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus…O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”(p.446).
Esta afirmação nos concede entender porque a presidenta Dilma quer uma reforma política que não venha de cima, do Congresso, porque este sempre se oporá ao que possa contradizer os seus indecentes privilégios. Deve partir de baixo, ouvindo os reclamos do povo brasileiro. Quem aprendeu em 500 anos a sobreviver na pobreza senão na miséria, colheu muita experiência e sabedoria a ser testemunhada e repercutida na nova ordenação político-social do Brasil. Ouvi de um sacerdote que viveu sempre na favela:”há um evangelho escondido no coração do povo humilde e importa que o leiamos e escutemos”. Vale a mesma coisa para as várias reformas desejadas pela maioria da população: auscultar o que se aninha no coração do povo e dos invisíveis.
Podemos tolerar a arrogância e a resistência dos poderosos e dos parlamentares, o que não podemos é defraudar a esperança de todo um povo. Ele não merece isso depois de tanto suor, sacrifícios e lágrimas. Ele precisa voltar às ruas e renovar com mais contundência e ordenadamente o que irrompeu em junho do ano passado. O feijão só cozinha bem em panela de pressão. Da mesma forma, o parlamento abandona sua inércia quando é posto sob pressão, como se constatou no ano passado.
Voltemos a Darcy Ribeiro, um dos que melhor estudou e compreendeu a singularidade do povo brasileiro. Uma coisa são os povos transplantados como nos USA, no Canadá e na Austrália. Eles reproduziram os moldes dos países europeus de onde vieram. No Brasil foi diferente. Ocorreu uma das maiores miscegenizações da história conhecida da humanidade. Vieram de 60 países diferentes. Misturaram-se entre si índios, afro-descentes, europeus, árabes e orientais. Criaram um novo tipo de gente. Diz Darcy:”o nosso desafio é de reinventar o humano, criando um novo gênero de gentes, diferentes de quantas haja”(p.447). Diz mais:”olhando todas estas gentes e ouvindo-as é fácil perceber que são, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia mas melhor, porque lavada em sangue índio e sangue negro”(p.447).
Não me furto em citar estas palavras proféticas com as quais fecha seu livro "O povo brasileiro”: "O Brasil é já a maior das nações neolatinas… Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça, tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor porque incorpora em si mesma mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra”(p.449).
Para os que querem sair do Brasil: fiquem nessa esplêndida Terra e ajudem-nos a construir esse sonho bom.
07/11/2014

Dilma pode escolher: ser Francisco ou Bergóglio?

Saul Leblon
Adital
A história não é fatalidade. Um exemplo de quem mudou suas circunstâncias? O Papa, que deixou de ser Bergóglio para se tornar Francisco

A incerteza que antecede as definições do segundo governo Dilma mantém o Brasil em suspenso à direita e à esquerda.
Mercados financeiros giram feito barata tonta ao sabor dos mais desencontrados boatos.
Vendidos suplicam por um boato baixista; comprados dão a vida por uma puxada nas cotações. Ganha-se na diferença diária entre um zunzum e outro.
Especulações sobre o comando da economia oscilam entre o tudo e o nada, muito pelo contrário.
Há lastro.
É evidente a dúvida e a divergência nos círculos da própria Presidenta e do PT: como negociar sem regredir e, sobretudo, com preservar margem para avançar?
A hipótese de se reeditar o modelo ‘Lula 1.0’, ortodoxo na condução da economia, heterodoxo no fortalecimento ancorado em expansão de salários, emprego e políticas sociais tromba na história.
O quadro de bonança externa que permitiu a relação acomodatícia entre interesses conflitantes não existe mais.
O ciclo acabou na crise de 2008, que levou ao ‘Lula 2.0’ e ao primeiro Dilma, de recortes mais heterodoxos (Leia a análise de Tarso Genro; nesta pág).
Não apenas isso.
O estreitamento da margem de manobra na economia não encontra qualquer compensação no ambiente político.
Dilma sai inequivocamente vitoriosa de uma disputa histórica, marcada pelo confronto feroz entre projetos distintos de país, em meio a uma transição de ciclo econômico global.
A derrota da restauração neoliberal nas urnas brasileiras não encerra o confronto que permanece em aberto em todo o mundo.
Por isso é ilusório imaginar que o terceiro turno desta vez cederá tão cedo ou em troca de pouco.
Não cederá.
A percepção dessa rigidez adiciona tensões imagináveis na atormentada busca de uma ordenação do próximo governo.
Como honrar a vitória nas urnas e exercer a iniciativa na esfera econômica e social, sem ser emparedado pela roleta do mercado financeiro aqui e lá fora?
O ‘salvacionismo da rendição’ ganha força à medida em que as escolhas giram em falso no relógio do tempo político.
Aqui e ali ouvem-se apelos extremados para Dilma ‘resolver logo’.
O que?
Tudo.
‘Tudo o que o mercado quer’.
Em vão imagina-se que assim haverá a trégua que o comunicado oficial da vitória na noite de 26 de outubro não ensejou.
Setores do PT antigamente identificados com aquilo que se convencionou chamar de ‘paloccismo, que vem a ser o neoliberalismo de estrela na lapela, vendem a ilusão de um apaziguamento.
Em 2006 venderam a Lula a fraude de que se dissesse ‘fui traído’, as capas de ‘Veja’ sobre o dito ‘mensalão’ refluiriam.
O que se deu é sabido.
Dilma sabe que não dá para atender ao apetite pantagruélico e ao mesmo tempo cumprir as obrigações da urna.
Que fazer?
É aconselhável, em primeiro lugar, olhar em volta.
Quem recomenda é o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista desta semana a Carta Maior (assista nesta pág.).
A desordem no capitalismo internacional é tão grave que o seu principal bunker financeiro, o FMI, converge rapidamente para se transformar em defensor de incentivos fiscais e do investimento público, aqui demonizados pelos bravos rapazes e moças do jornalismo isento.
Até autoridades da zona do euro, arrasada pelo fracasso desse oximoro, a ‘contração expansiva’, ensaiam mudança de tom.
A busca do impossível –crescer e arrochar— faz água por todas as latitudes.
Ou não será essa impossibilidade metafísica que ordena o ziguezagueante discurso do G-20, reunido na distante Austrália?
Oxímoros -- contradições em seus próprios termos-- refletem o esgotamento de uma agenda.
Aquela que levou o mundo a transitar da longa convalescença de 2008 direto para uma era de estagnação.
O ‘novo normal’, a perder de vista, sob os timoneiros do arrocho, compõe um cotidiano em que nada se move.
Exceto as curvas da desigualdade, o empoçamento do capital fictício, o fastígio dos paraísos fiscais e a fuga da juventude desempregada para lugar nenhum.
Os dados estão carimbados no rosto de pedra dos participantes do G 20: 75 milhões de jovens nunca encontrarão trabalho em sua vida; o estoque do desemprego mundial requer a criação de 200 milhões de vagas. Mas a Europa continua a despejar gente na rua, enquanto nos EUA cresce o emprego precário e o rendimento da classe média hiberna há 15 anos.
Que arranjo ministerial é o mais indicado para enfrentar o terceiro turno do conservadorismo no Brasil, enquanto se espera um alvorecer da longa noite neoliberal?
Trazer o conflito para dentro do governo é uma forma de rachar a frente derrotada em 26 de outubro.
A que custo, porém, sob o chicote do juro alto e do emprego declinante?
Outra hipótese é reformar a bicicleta da correlação de forças pedalando o mais depressa possível para longe da macroeconomia da recessão: baixar juro, usar o dinheiro economizado para obras, coordenar o câmbio, exportar, investir e contratar.
O jogral conservador diz que é o caminho para a morte súbita do governo Dilma.
É melhor morrer em fogo lento? Degrau por degrau na ladeira do desemprego, da erosão salarial e do desacorçoo, até o enterro solene em 2018?
Não há escolha fácil num mundo difícil, assoalhado de chão mole por todos os lados.
Mas a história não é uma ciência exata; por mais que o mercado lhe sonegue esse predicado ela muda sob a ação dos homens e de suas circunstâncias.
Mudanças no exercício do poder podem alterar as circunstancias e tornar possível o impossível.
Um exemplo meramente ilustrativo?
O Papa.
Nos últimos dias, o Papa Francisco foi elogiado por duas estrelas incontestáveis da constelação progressista latino-americana: sua conterrânea argentina, Estela Carloto, líder do movimento das Abuelas de Mayo, que ele recebeu no Vaticano e a seu neto recém localizado; e o brasileiro Pedro Stedile, o indobrável dirigente do MST, um dos convidados do Encontro Mundial de Movimentos Populares, patrocinado pelo Papa, no final do outubro.
A receptividade do anfitrião impressionou o marxista Stédile.
‘O Papa deu uma grande contribuição (ao encontro), com um documento irrepreensível, mais à esquerda do que muitos de nós; em 2.000 anos, nenhum Papa jamais organizou uma reunião desse tipo com movimentos sociais’, atestou Stédile.
Antes de afrontar dois mil anos de história, o sucessor de Bento XVI --o doutrinário conservador Ratzinger, que renunciou em fevereiro de 2013--, já havia impressionado uns e surpreendido outros ao deflagrar uma devassa nos círculos de poder santo.
Sem cerimonia, Francisco afastou chefões acusados de abusos sexuais; criou comissões investigativas para devassar as sacristias do poder; abateu corruptos abrigados em batinas purpuras; degredou veneráveis incrustrados na burocracia do Banco do Vaticano, de laços conhecidos com o crime organizado italiano.
Nesta 4ª feira, outras vozes da esquerda regional rasgaram elogios ao Papa por uma nova decisão corajosa.
Francisco determinou que o Vaticano abra seus arquivos secretos quando isso for do interesse das investigações sobre desaparecidos políticos durante a ditadura militar argentina.
Uma reforma jurídica do Estado do Vaticano foi determinada pelo Papa para legalizar essa ruptura.
Sua orientação atinge a ultraconservadora hierarquia do catolicismo argentino.
Ela já começou a colaborar com as Abuelas de Mayo, na localização de filhos de desaparecidos políticos, vítimas da ditadura que entre 1976 a 1983 matou cerca de 30 mil argentinos.
A decisão de abrir os arquivos da Igreja tem um significado político especial para o Papa Francisco.
Quando o nome do Cardeal Arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, 76 anos, foi consagrado em março de 2013 pelo Concílio romano, a reação predominante na esquerda latino-americana – inclua-se nisso Carta Maior—foi de desalento e apreensão.
O 265° Papa de Roma, o primeiro latino-americano a ocupar o trono de Pedro, não oferecia motivos para comemorações.
A própria Estela Carloto desabafou na época que o sucessor do Papa Bento XVI fazia parte da "Igreja que escureceu o país” durante a ditadura.
‘É verdade, não sentimos muita alegria com a sua eleição; nunca tínhamos ouvido Bergoglio fazer menção aos desaparecidos, nem dar qualquer apoio à busca pelas nossas crianças’, admitiu ela após o encontro efusivo no Vaticano, onde fez uma autocrítica cercada de elogio ao renascido conterrâneo.
Não apenas omissão. A principal acusação contra o bispo Bergoglio era de cumplicidade.
Ele poderia, mas nunca facilitou, por exemplo, a reunião das abuelas desesperadas com o Papa.
O primeiro encontro delas com o Sumo Pontífice, em 1980, deu-se no Brasil e só aconteceu por interferência de religiosos brasileiros.
No livro "El Silencio”, o premiado jornalista argentino, Horacio Verbitsky, recolheu depoimentos e reconstituições que lançam sombras ainda mais densas sobre o passado do cardeal Bergoglio.
Sabe-se, por exemplo, que no dia em que a ‘fumata bianca’ do Vaticano anunciou o ‘habemus papam’ e em seguida emergiu a figura do cardeal argentino no balcão , Graciela Yorio esmurrou as paredes de seu apartamento, a 11.200 quilômetros de distância, em Buenos Aires.
O relato foi estampado nos jornais argentinos e também na Folha de S. Paulo.
A revolta deve-se a uma certeza guardada há 36 anos na memória dessa sexagenária.
Em maio de 1976, seu irmão, padre Orlando Yorio, foi delatado à ditadura sedenta e recém-instalada, juntamente com o sacerdote Francisco Jalics, que hoje mora na Alemanha.
Os dois religiosos ficaram cinco meses nas mãos dos militares. Incomunicáveis, na temível Escola Mecânica da Marinha, adaptada para ser a máquina de moer ossos do regime.
Por omissão ou conivência ativa, atribui-se ao então cardeal Bergoglio — então com cerca de 40 anos, líder conservador dos jesuítas argentinos—um pedaço da responsabilidade por essas prisões.
Essa é a convicção de Graciela, baseada no que ouviu do irmão, falecido em 2000, militante da Teologia da Libertação como Jalics, que se diz reconciliado com Francisco.
Não faltaram vozes progressistas a rejeitar esse enredo macabro, dando testemunho da retidão discreta do conservador Bergóglio sob o terror militar.
A corajosa abertura dos arquivos do Vaticano agora poderá dar-lhe o salvo conduto definitivo afastando sua biografia da sombra desse período.
Mas o fato é que Bergóglio já se reinventou sob o manto de Francisco. Hoje, figura como uma referência sintomática do vento novo que sopra na contracorrente da decadência neoliberal no mundo.
O que teria sido do Papa se mantivesse em Roma a ambiguidade discreta do seu cardinalato na Argentina?
Seria maculado pela reprovação silenciosa de muitos; seria uma figura irrelevante na desordem mundial; seria um pequeno conservador na cena extremada de um mundo em busca de nova identidade e de um ciclo renovador para o desenvolvimento, a vida e a espiritualidade.
Seriam, enfim, tudo o que Francisco decidiu não ser e não é.
O que sobra disso para a pasmaceira de um Brasil que oscila entre um Meirelles ou um Tombini na Fazenda?
Sobra a lição da inexcedível capacidade humana para se reinventar nas amarras das circunstâncias, alterando-as no processo, mesmo sem ignorá-las.
Sobra a hipótese de Dilma vestir o manto da Presidência e poder escolher entre ser Bergóglio ou Francisco.
Sobra o espaço das escolhas na história.
Não fosse assim ela não seria história, mas fatalidade.
Leia, abaixo, trechos do ilustrativo discurso do Papa Francisco, em 27 de outubro, na recepção aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, no Vaticano:
‘Obrigado por terem aceitado este convite para debater tantos graves problemas sociais que afligem o mundo hoje (...). Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela! Não se contentam com promessas ilusórias, desculpas ou pretextos. Também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar’
‘( solidariedade) é pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar. A solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história, e é isso que os movimentos populares fazem’.
‘Queremos que se ouça a sua voz, que, em geral, se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas, sem a sua presença, sem ir realmente às periferias, as boas propostas e projetos que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais ficam no reino da ideia’
‘Não é possível abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos.
‘Este encontro nosso responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho. É estranho, mas, se eu falo disso para alguns, significa que o papa é comunista’.
‘Terra, teto e trabalho – isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da Igreja. Vou me deter um pouco sobre cada um deles, porque vocês os escolheram como tema para este encontro.
‘‘Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo (...) deixem-me dizer-lhes que, em certos países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, "a reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral’
‘Eu disse e repito: uma casa para cada família. Mas, além disso, um teto, para que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos (...) ali, o espaço público não é um mero lugar de trânsito, mas uma extensão do próprio lar, um lugar para gerar vínculos com os vizinhos’.
‘O desemprego juvenil, a informalidade e a falta de direitos trabalhistas não são inevitáveis, são o resultado de uma prévia opção social, de um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem, que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser usado e depois jogado fora. Isso acontece quando, no centro de um sistema econômico, está o deus dinheiro e não o homem, a pessoa humana’
‘Descartam-se os idosos, porque, bom, não servem, não produzem. Nem crianças nem idosos produzem. Estamos assistindo a um terceiro descarte muito doloroso, o descarte dos jovens. Milhões de jovens (...) aqui na Itália, passou um pouquinho dos 40% de jovens desempregados. Sabem o que significa 40% de jovens? Toda uma geração, anular toda uma geração para manter o equilíbrio. Em outro país da Europa, está passando os 50% ...São dados claros do descarte. Descarte, descarte (...) para poder manter e reequilibrar um sistema em cujo centro está o deus dinheiro, e não a pessoa humana’
‘Um sistema econômico centrado no deus dinheiro também precisa saquear a natureza, saquear a natureza, para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente’.
‘Alguns de vocês expressaram: esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a dignidade humana para o centro, e que, sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos. É preciso fazer isso com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo (...) Os cristãos têm algo muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer, revolucionário. Recomendo-lhes vivamente que o leiam, que leiam as Bem-aventuranças que estão no capítulo 5 de São Mateus e 6 de São Lucas (cfr. Mt 5, 3; e Lc 6, 20) e que leiam a passagem de Mateus 25’
‘A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que inclua os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá’.
http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Dilma-pode-escolher-ser-Francisco-ou-Bergoglio-/32232

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A Educação

Profª  Lídia
 
 Educação
Etimologicamente, educar vem do latim educare, tirar de fora de, conduzir para, modificar um estado.
A educação existe desde que existe o homem, propriamente dito.
A linguagem, o trabalho, a origem da civilização e da sociedade organizada foram se alicerçando através de conhecimentos que cadfa povo foi adquirindo e pela transmissão destes conhecimentos que foram passadas de gerações para gerações.
As mudanças que foram ocorrendo em cada época trouxeram, a cada povo novas necessidades que desencadearam novos conhecimentos e métodos de passarem para as gerações futuras.
A educação informal está presente em todas as nossas relações. A educação passou a ser formal no momento que deixa de ser uma transmissão de conhecimentos de pais para filhos e passa a ter pessoas ou lugares próprios para essa finalidade.
Cada época demandou e demanda um tipo de educação e de conhecimentos específicos.
Em nossa sociedade contemporânea, ela se vê presente nas mais diversas formas, desde os mais primitivas como a família, a igreja, como nos meios mais atuais como a televisão, a mídia, computadores, imprensa em geral. Seu papel como educadora está em conduzir para uma homogeneização de gostos culturas, necessidades que massifica e conduz os indivíduos a uma alienação pretensiosa de manipulação de valores.
Neste jogo de disputas sobre as mentes humanas, a escola, como instituição formal da educação acaba tendo um papel desprivilegiado, e menos sedutor que seus concorrentes. O aluno acaba desconhecendo sua finalidade, função, pertence a ela de forma inconsciente.
O que o ensino tem realizado, porém, é a busca do conhecimento do todo pela via externa, ou seja, a realidade analisada fora de mim. O que a nova visão traz é a necessidade de se percorrer, também, o caminho inverso, isto é, recompor o todo como ele se configura em nós, em como ele nos configura, em nós encontrando suas contradições que são nossas, no que nos habilitaria a reconfigurar ao reconfigurarmo-nos, refazer ao refazermo-nos, por conhecer ao conhecermo-nos. TAVOLIERI, P.53)


Referências Bibliográficas
TAVOLIERI Filho, Renato. A Escola do Sentir – A Aliança Entre O Racional E O Emocional. Faculdade Federal de Santa Catarina. Tese de Mestrado em Engenharia de Produção. Florianópolis, 2000.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Multidisciplinaridade




multidisciplinaridade é um conjunto de disciplinas a serem trabalhadas simultaneamente, sem fazer aparecer as relações que possam existir entre elas, destinando-se a um sistema de um só nível e de objetivos únicos, sem nenhuma cooperação. A multidisciplinaridade corresponde à estrutura tradicional de currículo nas escolas, o qual encontra-se fragmentado em várias disciplinas.
De acordo com o conceito de multidisciplinaridade, recorre-se a informações de várias matérias para estudar um determinado elemento, sem a preocupação de interligar as disciplinas entre si. Assim, cada matéria contribui com informações próprias do seu campo de conhecimento, sem considerar que existe uma integração entre elas. Essa forma de relacionamento entre as disciplinas é considerada pouco eficaz para a transferência de conhecimentos, já que impede uma relação entre os vários conhecimentos.
Segundo Piaget, a multidisciplinaridade ocorre quando "a solução de um problema torna necessário obter informação de duas ou mais ciências ou setores do conhecimento sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam elas mesmas modificadas ou enriquecidas". A multidisciplinaridade foi considerada importante para acabar com um ensino extremamente especializado, concentrado em uma única disciplina.
A origem da multidisciplinaridade encontra-se na ideia de que o conhecimento pode ser dividido em partes (disciplinas), resultado da visão cartesiana e depois cientificista, na qual a disciplina é um tipo de saber específico e possui um objeto determinado e reconhecido, bem como conhecimentos e saberes relativos a esse objeto e métodos próprios. Constitui-se, então, a partir de uma determinada subdivisão de um domínio específico do conhecimento. A tentativa de estabelecer relações entre as disciplinas é que daria origem à chamada interdisciplinaridade.
A multidisciplinaridade difere da pluridisciplinaridade porque esta, apesar de também considerar um sistema de disciplinas de um só nível, possui disciplinas justapostas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas.

Transdisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Multidisciplinaridade
Introdução
O papel da escola, mais precisamente do ensino e da educação, sempre foi e sempre será questionado através dos tempos.Questionar-se-á não sobre a sua necessidade e importância na vida dos indivíduos, uma vez que estes temas já foram amplamente discutidos e esgotados por diversos grupos durante a história. Questionar-se-á sempre se esta, a escola, tem servido ao seu papel sociológico, propósito central, de "cunhar" indivíduos preparando-os para se posicionarem como seres sociais integrados e adaptados à convivência em grupo, à sociedade, agindo como participantes no desenvolvimento do todo. Ainda, não somente como membros destes grupos capazes de se interrelacionarem com seus entes, mas como membros qualitativos capazes de somar através de suas habilidades e conhecimentos.
Ao pontuarmos a escola, e suas responsabilidades, como algo focado na "formatação" de indivíduos para serem inseridos em grupos sociais perceberemos, claramente, de que o desafio aqui proposto para a escola é, indubitavelmente, complexo e dinâmico. Dinâmico pelo fato de se estruturar sobre um conjunto de regras e padrões, os sociais, que se apresentam em constante mudança, reflexo do próprio processo evolutivo social de cada era na qual se viverá; Complexo pelo fato de exigir de si mesma a necessidade de capacitar o indivíduo a observar a sociedade, seus problemas, relacionamentos e saberes de uma forma dinâmica, interligada, completamente dependente de causas e efeitos nas mais diversas áreas, do saber do conhecimento ao saber do relacionamento, permitindo assim, e somente assim, que estes possam ser formados com as habilidades necessários, acima descritas, para ocuparem sua posição dentro desta sociedade.
Diante do entendimento da complexidade na qual estamos inseridos percebe-se a necessidade da implantação de um raciocínio horizontalizado complementar para o estabelecimento do saber. O estudo dos problemas através de uma comunicação horizontalizada se faz necessário no intuito de maximizar o "produto social final" esperado das escolas, e mais do que isso, para a busca da democratização real do conhecimento através da libertação do pensamento, da visão e do raciocínio crítico na formação do saber individual seja ele de quem for.
Currículo e as disciplinas
O questionamento se inicia ao analisarmos a estrutura atual na qual estão inseridas as escolas e centros de pensamento crítico-criativo, os centros de ensino superior.Umas das primeiras barreiras encontradas para a implantação de um pensamento horizontalizado na construção do conhecimento esta na estrutura do currículo.
Saviani [Saviani, 2003] é categórico quando apresenta os posicionamentos de autores como Apple e Weis sobre o currículo. Para estes o foco central na estruturação do currículo esta na concretização do monopólio social sobre a sociedade através do campo educacional. Apple prossegue afirmando que esta ferramenta será estruturada através de regras não formalizadas que constituirão o que ele mesmo denominou de "currículo oculto".
Berticelli (Berticelli, 2003) e Moreira e Silva(Moreira e Silva, 1995)não destoam de Saviani ao indicar que o currículoé um local de "jogos de poder", de inclusões e exclusões, uma arena política.
Na busca da prática da horizontalização do pensamento e do estudo a presença do currículo como selecionador de conhecimentos pré-definidos se constitui como uma ferramenta castratória que limita o docente a mero reprodutor de conhecimento. São verdadeiros instrumentos que tolem o processo crítico-criativo necessário ao entendimento contextualizado e multifacetado das problemáticas presentes na vida real.
A presença do currículo formal como ferramenta norteadora do processo de ensino-aprendizado institui a fragmentação do conhecimento trazendo ao discente uma visão completamente esfacelada do item analisado e desta forma impossibilitando uma compreensão maior de mundo, de sociedade e de problemática estudada.
Em busca de uma solução Silva (Silva, 1999) propõe o abandono do currículo padrão, pré-definido utilizado atualmente, para a adoção do "currículo da sala de aula". Este, construído no trabalho diário do docente e do seu relacionamento com o meio na busca pela compreensão multifacetada da realidade vivenciada do aluno. Seria a instituição da relação dialógica real entre o professor e o aluno na construção do saber.
Na construção deste currículo informal, mas real, extraído das páginas da realidade do aluno Fazenda indica a necessidade da dissolução das barreiras entre as disciplinas buscando uma visão interdisciplinar do saber "que respeite a verdade e a relatividade de cada disciplina, tendo-se em vista um conhecer melhor" (Fazenda,1992)
Surge então a necessidade de reformular o modus operandiestabelecido através da re-análise das atuais temáticas e conseqüentemente propondo uma visão horizontalizada para a analise e pesquisa dos temas apresentados no dia-a-dia do discente surgem a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.
Multidisciplinaridade
A multidisciplinaridade é a visão menos compartilhada de todas as 3 visões. Para este, um elemento pode ser estudado por disciplinas diferentes ao mesmo tempo, contudo, não ocorrerá uma sobreposição dos seus saberes no estudo do elemento analisado. Segundo Almeida Filho (Almeida Filho, 1997) a idéia mais correta para esta visão seria a da justaposição das disciplinas cada uma cooperando dentro do seu saber para o estudo do elemento em questão. Nesta, cada professor cooperará com o estudo dentro da sua própria ótica; um estudo sob diversos ângulos, mas sem existir um rompimento entre as fronteiras das disciplinas.
Como um processo inicial rumo à tentativa de um pensamento horizontalizado entre as disciplinas, a multidisciplinaridade institui o inicio do fim da especialização do conteúdo. Para Morin (Morin, 2000) a grande dificuldade nesta linha de trabalho se encontra na difícil localização da "via de interarticulação" entre as diferentes ciências.É importante lembrar que cada uma delas possui uma linguagem própria e conceitos particulares que precisam ser traduzidos entre as linguagens.
Interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade, segundo Saviani (Saviani, 2003) é indispensável para a implantação de uma processo inteligente de construção do currículo de sala de aula informal, realístico e integrado. Através da interdisciplinaridade o conhecimento passa de algo setorizado para um conhecimento integrado onde as disciplinas científicas interagem entre si.
Bochniak (Bochniak, 1992) afirma que a interdisciplinaridade é a forma correta de se superar a fragmentação do saber instituída no currículo formal. Através desta visão ocorrem interações recíprocas entre as disciplinas. Estas geram a troca de dados, resultados, informações e métodos.Esta perspectiva transcende a justaposição das disciplinas, é na verdade um "processo de co-participação, reciprocidade, mutualidade, diálogo que caracterizam não somente as disciplinas, mas todos os envolvidos no processo educativo"(idem).
Transdisciplinaridade
A transdisciplinaridade foi primeiramente proposta por Piaget em 1970 (PIAGET, 1970) há muitos anos, contudo, só recentemente é que esta proposta tem sido analisada e pontualmente estudada para implementação como processo de ensino/aprendizado.
Para a transdisciplinaridade as fronteiras das disciplinas são praticamente inexistentes. Há uma sobreposição tal que é impossível identificar onde um começa e onde ela termina.
"a transdisciplinaridade como uma forma de ser, saber e abordar, atravessando as fronteiras epistemológicas de cada ciência, praticando o diálogo dos saberes sem perder de vista a diversidade e a preservação da vida no planeta, construindo um texto contextualizado e personalizado de leitura de fenôminos". (Theofilo, 2000)
A importância deste novo método de analise das problemáticas sob a ótica da transdisciplinaridade pode ser constatada através da recomendação instituída pela UNESCO em sua conferência mundial para o ensino Superior (UNESCO, 1998).
Nicolescu (Nicolescu, 1996) formula a frase: "A transdisciplinaridade diz respeito ao que se encontra entre as disciplinas, através das disciplinas e para além de toda adisciplina". A esta ultima colocação entende-se "zona do espiritual e/ou sagrado".
Conclusão
O indivíduo do terceiro milênio esta exposto a problemas cada vez mais complexos. Estes podem estar ligados a própria complexidade do inter-relacionamento dentro da sociedade humana ou através do grau de especialização atingido pelo conhecimento científico da humanidade.
O fato é que o ser social deste novo milênio, caracterizado pela era da informação, do avanço tecnológico diuturno, da capacidade de interconexão em rede e de outras propriedades que caracterizam os paradigmas que constituem essa nova era, precisa encontrar na escola, seu ente social para a formação, o aparato técnico-científico-social capaz de o "cunhar" para a sua participação social.
Diante de paradigmas tão dispares quanto os que são vivenciados hoje pela humanidade, a necessidade de se repensar o processo de ensino-aprendizagem atual se faz necessário. Continuar com o processo pedagógico-histórico atualmente instituído nas escolas e centros de estudo acadêmico é somente comparável com a geração de indivíduos, e conseqüentemente, de uma sociedade, intelectualmente analfabeta e limitada.

EDGAR MORIN, O ARQUITETO DA COMPLEXIDADE



Sociólogo francês propõe a religação dos saberes com novas concepções sobre o conhecimento e a educação

Edgar Morin nasceu em 1921 em Paris. Seu nome verdadeiro é Edgar Nahoum. Fez os estudos universitários de História, Geografia e Direito na Sorbonne, onde se abordou do Partido Comunista, ao qual se filiou m 1941. Sua família é de origem judaica sefardita. A mãe de Edgar tinha um problema no coração e não podia engravidar, mas sua vontade de ser mãe era imensa, então ocultou esse problema do marido entretanto quando Edgar tinha 10 anos sua mãe morre e ele passa a ser criado pelo seu pai e pela sua tia Corinne Beressi, e como não tinha amizade pelo pai, passa a substituir a dor deixada pela falta da mãe pelos livros, é aí que nasce o espírito pesquisador de Edgar. Entre 1945 e 1948 casa- se com Violette Chapellaubeau com quem teve duas filhas: Irene e Veronique Nahum; É designado tenente-coronel e escreve seu primeiro livro intitulado “O Ano Zero da Alemanha”, dá baixa no exército; Edgar é convidado a trabalhar no jornal destinado aos prisioneiros de guerra. Teve papel ativo no movimento de resistência à ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Depois do fim da guerra, participou da ocupação da Alemanha. Em 1949, distanciou-se do PC, que o expulsou dois anos depois. Ingressou no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), onde obteve um dos primeiros estudos etnológicos produzidos na França, sobre uma comunidade da região da Bretanha. Criou o Centro de Estudos de Comunicações de Massa e as revistas Arguments e Comunication. Em 1961 rodou o filme Crônica de um Verão em parceria com o documentarista Jean Rouch. Em seguida, fez uma série de viagens à América Latina. Em 1968 começou a lecionar na Universidade de Nanterre. Passou um ano no Instituto Salk de Estudos Biológicos em La Jolla, na Califórnia, onde acompanhou descobertas da genética. Redigiu em 1994, com o semiólogo português Lima de Freitas e o físico romeno Basarab Nicolescu, um manifesto a favor da transdisciplinaridade. Em 1998, demandou, com o governo francês, jornadas temáticas que ocasionaram o livro A Religação dos Saberes. Em 2002, a Justiça o condenou por difamação racial devido a um artigo no qual dizia que "os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem sua ordem impiedosa aos palestinos". Morin, que é judeu, pagou 1 euro como pena simbólica. Ainda diretor de pesquisas no CNRS, ele é doutor honoris causa em universidades de vários países e presidente da Associação para o Pensamento Complexo. Edgar Morin é um teórico e ativista da vida, do mundo e da educação, um educador, filosofo, sociólogo, aperfeiçoado em várias áreas do saber, um homem extraordinário que soube transformar a dor de várias perdas na vida em conhecimento, conquistando para todos os saberes e a complexidade da vida. Edgar tem um legado incomensurável de saberes, aprendizagens, lição de vida. É um educador e pesquisador que descortinou um mundo a nossa frente. 


PRÉ-HISTÓRIA DO SABER

O sociólogo francês protege a introdução da incerteza e da falibilidade na rigidez cultural do Ocidente. As restrições causadas pela compartimentação do conhecimento, de acordo com o educador, são responsáveis por manter o espírito humano em sua pré-história. Além disso, a tendência de aplicar conceitos abstratos vindos das ciências exatas e naturais ao universo humano resulta em desdém por aspectos como o ambiente, a história e a psicologia, entre outros. Um exemplo, diz o pensador, é a economia, a mais avançada das ciências sociais em termos matemáticos e a menos capaz de trabalhar com regularidades e previsões. Diante disso , a complexidade da vida mas ciências e nas atividades humanas precisa de uma recuperação imediata, portanto, Morin recomenda um pensamento crítico sobre o próprio pensar e seus métodos, o que implica sempre voltar ao começo, e, assim, se incorpora com o fato de o homem ser sempre incompleto - o aprendizado é para toda a vida.


 OUVIR OS JOVENS 

Não existe espaço onde a fragmentação do conhecimento permaneça tão explícita quanto na escola, com sua estrutura tradicional de parcelamento do tempo em função de disciplinas se estagne. Por outro lado, a variedade de sujeitos e objetos em busca de vinculações fazem da sala de aula um fenômeno complexo, ideal para iniciar o processo de mudança de mentalidades defendida por Morin. A meta é a transdisciplinaridade.. Ouvir os alunos, espontaneamente sintonizados com o presente, é a melhor maneira de o professor investir na própria formação. Esse também é o caminho para arquitetar um fluxograma de ensino focado no próprio estudante e suas referências culturais, porque as grandes metas da educação deveriam ser o desenvolvimento da compreensão e da condição humana. Segundo Morin, o profissional mais preparado para operar essa mudança de abordagem é o professor generalista dos primeiros anos do Ensino Fundamental, por ter uma visão ampla do processo. 


SUAS PRINCIPAIS OBRAS 


 1946- Ano Zero da Alemanha; 1951- O Homem e a Morte; 1957-1962- Revista Argumentos; 1959- Autocrítica; 1965- Introdução à Política do Homem: argumentos políticos; 1968- Maio/68: A Brecha; 1969- Nova edição de Introduction A Une Politique de L’Homme; 1969- O Rumor de Orléans; 1969- o X da Questão: sujeito à flor da pele; 1974- A Unidade do Homem; 1973- O Paradigma Perdido: a natureza humana; 1975- Nova edição de Autocrítica; 1977- O Método 1: a natureza da natureza; 1978- Os Primatas e o Homem; O Cérebro Humano; Por Uma Antropologia Fundamental – Nova edição, desdobrada, da Unidade do Homem; 1980- O Método 2: a vida da vida; 1981- Para Sair do Século XX; 1982- Ciência com Consciência; 1983- Da Natureza da União Sovietica: Complexo Totalitário e Novo Império; 1984- Problema Epistemológico da Complexidade; 1984- A Rosa e o Negro; 1984- Ciência e Consciência da Complexidade; 1986- O Método 3: conhecimento do conhecimento; 1989- Vidal e os Seus; 1990- Pensar a Europa; 1990- Introdução ao Pensamento Complexo; 1990- Colóquio de Cerisy; 1991- O Método 4: as idéias; 1993- Terra Pátria; 1993- A Decadência do Futuro e a Construção do Presente; 1994- Meus Demônios; 1994- A Complexidade Humana; 1995- Ano Sìsifico; 1997- Amor, Poesia e Sabedoria; 1997- Uma Política de Civilização; 1998- A Cabeça Bem Feita: repensar a reforma e reformar o pensamento; 1998- Ética, Solidariedade e Complexidade; 1999- A Inteligência da Complexidade; 2000- Le Défi du Xxe. Siècle.Relier La Conaissance; 2000- Dialogue Sur La Nature Humaine; 2000- Relier les connaissances, Le Seuil; 2000- Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro; 2001- Jounal de Plozévet. Bretagne; 2001- O Método 5: a identidade humana; 2002- Pour une politique de civilisation, Paris, Arléa; 2002- Dialogue sur la connaissance, Entretiens avec des lycéens; 2003- La violence du Mond; 2003- Educar na Era Planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana; 2003- Les enfants du ciel: entre vide, lumière; 2003- Um Viandante dela complessitá, Morrin filosofo a Messina; 2004 – Diálogo sobre o Conhecimento.




SUAS CONQUISTAS, PRÊMIOS E HONRARIAS
  
Doutor Honoris das universidades vários países inclusive no Brasil; Vários prêmios internacionais, condecorações, medalhas, prêmio de Oficial da Ordem do Mérito da Espanha, homenageado com a Legião de Honra da UNESCO e da França. No México implantou o projeto do Multiversidade Mundo Real que leva seu nome e foi dedicada uma estátua em sua homenagem no prédio do Ministério da Educação. 


ESCOLA, ENSINO E APRENDIZAGEM 


Edgar Morin: "A escola mata a curiosidade" 

Educador francês acredita que instigar a curiosidade da criança é a melhor forma de despertá-la para o saber.

Se vivemos em um mundo complicado e interligado, e novas informações nos fazem, a toda hora, mudar de planos, por que a escola ainda teima em ensinar certezas e conhecimentos que parecem únicos e absolutos? Questões como essa induziram Edgar Morin a recomendar uma nova estrutura para a educação, que sugerisse também em uma reforma do pensamento. Nos anos 1990 ele foi convidado pelo Ministério da Educação de seu país para reestruturar o ensino secundário. A mudança não ocorreu, mas logo suas idéias tomaram corpo e ultrapassaram as fronteiras da França. A convite da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Morin fez um estudo sobre quais seriam os temas que não poderiam faltar para formar o cidadão do século 21. Assim nasceu Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, texto esse que serviu de base para a elaboração de nossos Parâmetros Curriculares Nacionais, entre outros documentos. Mas o que tem essa proposta de diferente? Ela coloca o ser humano e o planeta no centro do ensino. "É preciso aprender sobre a condição humana, a compreensão e a ética, entender a era planetária em que vivemos e saber que o conhecimento, qualquer que seja ele, está sujeito ao erro e à ilusão", adverte Morin. Nesta entrevista ele explica um pouco seu pensamento e diz que a reforma mais ampla no ensino aprendizagem pode começar a ser feita em cada sala de aula. 

O senhor costuma comparar o nosso planeta a uma nave espacial, em que a economia, a ciência, a tecnologia e a política seriam os motores, que atualmente estão danificados. Qual o papel da educação nessa espaçonave?

Ela teria a função de trazer a compreensão e fazer as ligações necessárias para esse sistema funcionar bem. Uso o verbo no condicional porque acho que ela ainda não desempenha esse papel. O problema é que nessa nave os relacionamentos são muito ruins. Desde o convívio entre pais e filhos, cheio de brigas, até as relações internacionais — basta ver o número de guerras que temos. Por isso é preciso lutar para a melhoria dessas relações. 

O que é preciso mudar no ensino para que o nosso planeta, ou a nave, entre em órbita? 

 Um dos principais objetivos da educação é ensinar valores. E esses são incorporados pela criança desde muito cedo. É preciso mostrar a ela como compreender a si mesma para que possa compreender os outros e a humanidade em geral. Os jovens têm de conhecer as particularidades do ser humano e o papel dele na era planetária que vivemos. Por isso a educação ainda não está fazendo sua parte. O sistema educativo não incorpora essas discussões e, pior, fragmenta a realidade, simplifica o complexo, separa o que é inseparável, ignora a multiplicidade e a diversidade. 


 O senhor então é contra a divisão do saber em várias disciplinas? 

 As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem. Caso contrário, será sempre ineficiente e insuficiente para os cidadãos do futuro. 


Na prática, de que forma a compreensão e a condição humana podem estar presentes em um currículo? 


Ora, as dúvidas que uma criança tem são praticamente as mesmas dos adultos e dos filósofos. Quem somos, de onde viemos e para que estamos aqui? Tentar responder a essas questões, com certeza, vai instigar a curiosidade dos pequenos e permitir que eles comecem a se localizar no seu espaço, na comunidade, no mundo e a perceber a correlação dos saberes. 

 Mas uma pergunta como "quem somos?" não é fácil de responder

E não precisa ser respondida. É a investigação e a pluralidade de possíveis caminhos que tornam o assunto interessante. Podemos ir pelo social — somos indivíduos, pertencentes a determinadas famílias, que estão em uma certa sociedade, dentro de um mundo que tem passado, história. Todos temos um jeito de ser, um perfil psicológico que também dá outras informações sobre essa questão. Mas também somos seres feitos de células vivas — entramos na biologia —, que são formadas por moléculas — temos então a química. Todas essas moléculas são constituídas por átomos que vieram de explosões estelares ocorridas há milhões de anos... E assim por diante. Sempre instigando a curiosidade e não a matando, como freqüentemente faz a escola. 


 Como temas tão profundos podem ser tratados sem que a aula fique chata? 

É só não deixar enjoativo o que é por natureza passional. Um jornal francês de literatura fez uma pesquisa entre os alunos e descobriu que até os 14 anos os jovens gostam de ler e lêem muito. Quando vão para o liceu, lêem menos. É verdade que eles começam a sair mais de casa e ter outros interesses, mas um dos principais motivos é que os professores tornam a literatura chata, decupando-a em partes pequenas e analisando minuciosamente o seu vocabulário, em vez de dar mais valor ao sentido do texto, à sua ação. Nada mais passional do que um romance, nada tão maravilhoso quanto a poesia! Nada retrata melhor a problemática humana do que as grandes obras literárias. Os saberes não devem assassinar a curiosidade. A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel. 


A literatura e as artes deveriam ter mais destaque no ensino? 

 Sem dúvida. Elas poderiam se constituir em eixos transdisciplinares. Pegue-se Guerra e Paz, de Tolstói, por exemplo. O professor de Literatura pode pedir a seu colega de História para ajudá-lo a situar a obra na história da Rússia. Pode solicitar a um psicólogo, da escola ou não, que converse com a classe sobre as características psicológicas dos personagens e as relações entre eles; a um sociólogo que ajude na compreensão da organização social da época. Toda grande obra de literatura tem a sua dimensão histórica, psicológica, social, filosófica e cada um desses aspectos traz esclarecimentos e informações importantes para o estudante. Todo país tem suas grandes obras e certamente também os clássicos universais servem para esse fim. 


 O professor deve buscar sempre o trabalho interdisciplinar? 

 Ele deve ter consciência da importância de sua disciplina, mas precisa perceber também que, com a iluminação de outros olhares, vai ficar muito mais interessante. O professor pode procurar ter essa cultura menos especializada, enquanto não existir uma mudança na formação e na organização dos saberes. O professor de Literatura precisa conhecer um pouco de história e de psicologia, assim como o de Matemática e o de Física necessitam de uma formação literária. Hoje existe um abismo entre as humanidades e as ciências, o que é grave para as duas. Somente uma comunicação entre elas vai propiciar o nascimento de uma nova cultura, e essa, sim, deverá perpassar a formação de todos os profissionais. 


Como o professor vai aprender a trabalhar de forma conjunta? 

 Ele vai se autoformar quando começar a escutar os alunos, que são os porta-vozes de nossa época. Se há desinteresse da classe, ele precisa saber o porquê. É dessa postura de diálogo que as novas necessidades de ensino vão surgir. Ao professor cabe atendê-las.  

Como acontece uma grande reforma educacional? 

Nenhuma mudança é feita de uma só vez. Não adianta um ministro querer revolucionar a escola se os espíritos não estiverem preparados. A reforma vai começar por uma minoria que sente necessidade de mudar. É preciso começar por experiências pilotos, em uma sala de aula, uma escola ou uma universidade em que novas técnicas e metodologias sejam utilizadas e onde os saberes necessários para uma educação do futuro componham o currículo. Teríamos, desde o começo da escolarização, temas como a compreensão humana; a época planetária, em que se buscaria entender o nosso tempo, nossos dilemas e nossos desafios; o estudo da condição humana em seus aspectos biológicos, físicos, culturais, sociais e psíquicos. Dessa forma começaríamos a progredir e finalmente a mudar.  

Como tratar temas tão profundos como o estudo da condição humana nos diversos níveis de ensino? 

Os professores polivalentes da escola primária são os ideais para tratar desses assuntos. Por não serem especialistas, têm uma visão mais ampla dos saberes. Eles podem partir da problemática do estudante e fazer um programa de ensino cheio de questões que partissem do ser humano. O polivalente pode mostrar aos pequenos como se produz a cultura da televisão e do videogame na qual eles estão imersos desde muito cedo. Já a escola que trabalha com os jovens deve dedicar-se à aprendizagem do diálogo entre as culturas humanísticas e científicas. É o momento ideal para o aluno conhecer a história de sua nação, situar-se no futuro de seu continente e da humanidade. Às universidades caberia a reforma do pensamento, para permitir o uso integral da inteligência. 


 SABERES INDISPENSÁVEIS 

Em sua defesa da religação dos saberes, Morin tocou numa inquietação lançada nos dias atuais, quando a tecnologia permite um acesso inédito às informações. Por isso a Organização das Nações Unidas pediu a ele uma relação dos temas que não poderiam faltar para formar o cidadão do século 21. Edgar Morin nos enche de tanto saber,
portanto nasceu o texto Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. A lista começa com o estudo do próprio conhecimento. O segundo ponto é a pertinência dos conteúdos, para que levem a "apreender problemas globais e fundamentais". Em seguida vem o estudo da condição humana, entendida como unidade complexa da natureza dos indivíduos. Ensinar a identidade terrena é o quarto ponto e refere-se a abordar as relações humanas de um ponto de vista global. O tópico seguinte é enfrentar as incertezas com base nos aportes recentes das ciências. O aprendizado da compreensão, sexto item, pede uma reforma de mentalidades para superar males como o racismo. Finalmente, uma ética global, baseada na consciência do ser humano como indivíduo e parte da sociedade e da espécie. Diante tanto conhecimento, eis aqui uma obra que perpassa muito sobre as concepções da Educação: Os Sete Saberes para Educação do Futuro, que traz alguns tópicos pertinentes: 

Erro e a Ilusão, o autor descreve que a educação visa conduzir o conhecimento humano e quando conduzimos, passamos também nossa ilusão e com isso erros na informação. Saber Pertinente, é o conhecimento que permita juntar saberes, permitindo fundar relações como diz Morin (2000) “entre o global, o multidimensional e o complexo”. Ensinar a Condição Humana, Morin assegura que a educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, situado na condição humana. Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele como vimos nos capítulos anteriores. Ensinar a Identidade Terrena, de acordo com segundo Morin ensinar a identidade terrena é aprender a estar na terra, significa aprender a viver, a comunicar, a dividir. Por isso, é necessário ensinar a Era Planetária mostrando como as partes do mundo podem ser solidárias retratando também que existiram e existem problemas que comprometem a humanidade. Enfrentar as Incertezas, Morin garante que é imprescindível ensinar estratégias através das quais as pessoas poderão enfrentar o inesperado e os imprevistos. O autor diz que é importante aprendermos a lidar com as incertezas do conhecimento. Para Morin (2000) ‘’é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélago de certeza’’. Ensinar a Compreensão, alude em envolver a comunicação humana a identidade terrena numa visão planetária. Buscando entender a educação e compreende-la em uma grandeza em que conviemos no mesmo mundo, e aprendemos o valor dele, dimensionando que tudo estar liga e interligado em todos os sentidos, visando à importância da educação e os saberes para compreender os diversos níveis da complexidade em que vivemos, tornando-as um objetivo comum que é a educação para humanidade. Ética do Gênero Humano, isto é a antropo-ética quer dizer a ética do indivíduo, da sociedade e da espécie, formando uma trindade que não podem ser separadas, porque a ética depende da cultura e da natureza humana. 

O que Edgar Morin nos deseja dizer nos sete saberes sobre a educação, é que devemos nos ajudar numa educação complexa que interligue todos os buracos deixados soltos por muito tempo, para podermos ter uma consciência crítica e cuidarmos do planeta em que vivemos. Afinal, estamos na Era Planetária, e só uma educação complexa poderá nos transformar e é nos transformando que poderemos modificar a sociedade e consequentemente cuidar do planeta com todas às suas complexidades, inclusive a nós mesmos, que fazemos parte dessa grande nave como Morin mesmo nos sinaliza. 




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